SOBRE BOVINOS E HUMANOS

Apesar de nossa grotesca fome carnívora, a imagem publicada do boi que fugiu assustado do matadouro é de partir o coração. Era mais um boi, como milhões que acabam no prato das pessoas, mas esse tinha uma característica peculiar: lutava pela sua liberdade e esse fato legitima qualquer desordem ou rebeldia.

Acho que ser livre é o que sempre buscamos, independentemente de nossa espécie ou do grau de liberdade que acreditamos ter. Todos nós acabamos por nos identificar com esse boi que fugiu do matadouro, mesmo a analogia carregando em si uma grande porção de hipocrisia, representa o símbolo do homem oprimido pelo capitalismo cruel, a metáfora mais visceral de nós mesmos.

Daí vem a questão: será que somos realmente livres? A roupa que vestimos, o alimento que comemos, os lugares que frequentamos, tudo isso nos é escolhido, ou é apenas uma ilusão de liberdade? Cada vez mais parece que dependemos de coisas supérfluas para viver, basta experimentarmos a sensação de nudez de quando esquecemos o celular em casa ou quando, por algum motivo, ficamos desconectados do mundo virtual algum tempo.

Gosto da reflexão sobre liberdade que o livro 1984, de George Orwell, nos traz. Inspirado nos regimes totalitários das décadas de 30 e 40, o autor nos coloca em um universo opressor, vigiado pelas teletelas, um tipo de televisor muito parecido com os nossos de hoje. A sátira obscura revela o que acontece quando não lutamos pela nossa liberdade e apesar de ter sido publicado em 1948, infelizmente é mais atual que nunca.

Bicho ou gente, sou terminantemente a favor daqueles que lutam pela liberdade, mesmo que isso possa trazer alguns transtornos. Muita coisa revestida de entretenimento serve mesmo para narcotizar as pessoas, precisamos de olhos abertos e mente inquieta. Esses dias, um amigo que acompanhou a soltura de alguns pássaros por um instituto de defesa animal disse como foi lindo ver os bichinhos voando para liberdade, ele me mostrou o vídeo que fez e eu também me emocionei. Que todos nós possamos em algum momento ter nosso voo para liberdade, mas antes que possamos ter a consciência essencial de nossa dose de escravidão.