A FÓRMULA DE KELVIN

Apesar dos índices educacionais do Brasil não serem nada animadores, a julgar pelo último resultado do PISA, prova que avalia 70 países e que ficamos na triste 66ª posição em Matemática, recebo com alegria a notícia de Kelvin, um estudante amazonense de 16 anos, que criou uma fórmula química e batizou com seu nome. A fórmula será uma grande contribuição à área industrial para produção de alumínio.

Kelvin me faz recordar o poema de Drummond da flor que nasceu na rua e rompeu o asfalto. Como outras tantas flores que brotam aqui e ali nas nossas inúmeras escolas públicas brasileiras. Está aí uma bela analogia, as escolas têm que ser como jardins, espaços de vida e crescimento. Gosto muito de Rubem Alves porque ele enxergou essa analogia antes de mim, quando disse: “Todo jardim começa com um sonho de amor”. É preciso que esses jardins/escolas sejam lugares em que flui sobretudo o amor.

O amor para mim é uma forma de aprendizado, por isso que quando alguém me disse que o amor é uma plantinha que tem que ser regada, já pensei na educação. Regar a plantinha da educação é ter amor ao que se faz. Uma colega professora me disse, certa vez, que não é possível fazer a educação por amor, já que o arroz e o feijão não são pagos dessa maneira, mas é imprescindível que a façamos com amor. Passei a admirar essa filosofia do fazer com amor.

Kelvin certamente foi uma plantinha regada com amor. Não o conheço, tampouco seus professores, mas sei que aquela escola no Amazonas onde ele estuda, deve ter muito de jardim. Também eu já tive o prazer em lecionar em alguns jardins. O mais gostoso é que nesses lugares as plantas não são cultivadas para serem comercializadas, as escolas/jardins não se preocupam em preparar alunos para o mercado de trabalho, elas se preocupam em formar pessoas autônomas, capazes de discernir, de mudar de rota, assim o sucesso profissional é só uma consequência.

Geralmente o que se vê nesses jardins pedagógicos não são alunos memorizando datas ou respondendo listas de exercícios, mas estudantes criando e recriando. A dúvida, o questionamento não são reprimidos, ao contrário, são o adubo essencial.

Lembro como decorávamos a tabela periódica nas aulas de química, utilizávamos artifícios mnemônicos, era mais ou menos assim: Hoje Li Na Kama Robinson Crusoé Francês. O problema é que memorizávamos nomes de elementos químicos, mas não sabíamos muito bem para que servia, ou onde utilizaríamos tantos nomes estranhos. O cérebro então, um senhor sábio e prudente, fazia seu trabalho de apagar tantas informações não associadas a nada. Como despertar o surgimento de Kelvins com aulas em que o único objetivo era a memorização, com aulas que não provocavam, que não instigavam? Nosso coraçãozinho adolescente se tornava um solo pedregoso, onde aquelas palavras caíam e apodreciam.

Fico feliz quando conheço professores que são jardineiros. Que entendem o verso de Jorge de Lima que diz que “entre a raiz e a flor: o tempo e o espaço”. Que sabem que cada flor tem suas peculiaridades, mas também sua beleza. Que mesmo cultivando tantas flores juntas, sabe a individualidade de cada uma e entende o quanto de luz cada uma necessita. Que compreenderam que apesar da aparente fragilidade a flores sempre anseiam tocar a eternidade e que o bom jardineiro é aquele que não poda um sonho, mas que sabe irrigar uma alma. Enfim, mas muito mais, esses mestres botânico-docentes atingiram o entendimento do poeta Sergio Vaz, em seu excelente Ao Mestre, a Flor: “Porque ensinar é regar a semente sem afogar a flor”.