CETICISMO DIGITAL

Por favor, alguém me belisque. Ou será que acordei dentro de um episódio dos Jetsons? Agora mais essa, acabo de ver uma reportagem que mostra, alegremente, robôs ajudando clientes em supermercados espanhóis. Imaginem o que esses robôs já não andam fazendo no Japão? A reportagem continua apresentando, em fase de teste, supermercados com “funcionários” 100% robôs. Eles guiam os consumidores pelas diferentes seções da loja e indicam produtos mais saudáveis.

Penso que as pessoas estão recebendo essas inovações com uma naturalidade perigosa, talvez porque realmente lidam cegamente com a tecnologia em seu cotidiano. Não vejo questionamentos conscientes, tampouco uma educação voltada para o bom uso desses aparelhos. O fato é que automação está aí, mais presente do que nunca. E o pior de tudo, ela nos traz um conforto irrecusável, ou nos dá aquela atenção que sempre desejamos, como no caso dos supermercados espanhóis em que os robôs dão até bom dia. Pasmem! Os robôs dão um caloroso bom dia. Indicar produtos e orientar os consumidores até tudo bem, mas robôs programados para serem educados é uma disputa desleal para nós...

Só vamos saber os efeitos reais dessas mudanças daqui a alguns anos, quando essas “crianças www” forem adultas. Esses dias fui visitar um sobrinho, um menino meio tímido que não gosta de bola. Em seu quarto há um desses aparelhos de videogame em que as imagens dos personagens e do cenário são mais reais que os filmes da sessão da tarde. Ele me chamou para jogar com ele, pensei que seria uma estratégia legal de me aproximar e, quem sabe, propor algo mais divertido, como jogar taco ou essas coisas que eu fazia na minha época. Foi curioso ver que na realidade o que o menino queria era plateia para suas habilidades virtuais. Crianças dessa geração não gostam de ensinar, elas sabem fazer e ponto. Contudo o que mais me chamou atenção foi como o jogo era extremamente violento.

Acho que esses garotos que se divertem com atrocidades virtuais virem um baleado de verdade na rua talvez achem monótono, esses jogos devem tirar a capacidade delas se espantarem. O pior é quando adultos entram nessa. Tenho uma amiga que se separou recentemente. O motivo? “Ele dava mais atenção para o videogame que pra mim!” É claro que essa é a parte ruim do entretenimento eletrônico, alguns vão dizer que sou pessimista e que só enxergo o lado ruim das coisas. Talvez estejam certos...

O fato é que todo mundo gosta de ficar sentado comandando tudo por um controle, seja um jogo, a televisão ou a vida de alguém. O controle nos dá a falsa impressão de poder. É a ilusão que somos um pouco Deus, que também temos nosso pequeno universo, mesmo que seja um universo medíocre. É por isso que os reality shows fazem sucesso, dão às pessoas o poder de eliminar o outro.

Agora não podemos negar que comunicação nossa de cada dia se tornou mais ágil, ainda que mais superficial. O velho e-mail era uma agonia eletrônica, hoje a modinha do zap nos poupa algum esforço. É um aplicativo que nos permite dar bom dia por atacado, mas o que realmente me irrita são aqueles falsos boatos. “Criança foi raptada, repassem!”, “Acabaram de matar uma velhinha na padaria, compartilhem!”. Acabamos por não acreditar em mais nada, criando uma espécie de ceticismo digital.

Até que pode ser interessante a ideia de sermos atendidos por robozinhos educados, evitaria talvez alguns desencontros, mas acredito que isso nos infantilizaria ainda mais. O problema real é o quanto de pobreza que isso pode gerar. Apesar da fala de um especialista em alguma coisa no final da reportagem dizer o contrário, que sempre haverá espaço para as pessoas que se qualificarem. Balela! Mas só vou me descabelar mesmo quando inventarem um robô que faça poesia. Então chegarei a triste conclusão: ficamos obsoletos.