OLHARES, ENCHENTES E RIOS

OLHARES, ENCHENTES E RIOS

*Rangel Alves da Costa

Quem chora sente os olhos encharcados, os transbordamentos descendo na face, aquela gelidez do entristecimento, mas nem sempre sabe de onde vem a lágrima.

Quem pranteia sente a turbidez na visão, o enevoamento na íris, tudo com se uma vidraça encharcada estivesse diante de si, mas nem sempre conhece a nascente do lacrimejar.

Quem lacrimeja, apenas sente um rio se abrindo, um mar querendo transbordar, um oceano além dos limites molhados, mas nem sempre sabe de onde vem a dolorosa enxurrada.

Quem se entrega a dor do pranto, e pranteando se dissolve como geleira que se dispersa, apenas se deixa escoar sem sequer imaginar de lhe veio aquele turbilhão.

A verdade é que as pessoas choram, pranteiam, lacrimejam, deixam-se transbordar em sentimentos molhados. As lágrimas, contudo, nem sempre chegam pelos motivos que costumeiramente conhecemos.

Sim, a perda de alguém faz chorar. O adeus inesperado faz chorar. A saudade de um amor distante faz chorar. O reencontro com o outro através de imagens de relembranças também faz chorar.

Então a lágrima vem. Primeiro a pulsão sentida, depois os olhos sendo despertados ao acolhimento e transbordamento daquela vazão interior. O olhar vai apenas recebendo mensagens, sentindo que logo virá um rio, um oceano, um mar.

Quando as comportas da alma são abertas, quando as ribanceiras interiores são quebradas, quando nada mais pode segurar a angústia, a dor ou a aflição, então os olhos abrem passagem às torrentes.

E como é triste o choro sofrido, de agonia, de entristecimento. A pessoa em si já não se doma, já não comanda seus sentimentos. Tudo parece querer explodir, irromper da alma e buscar um alento qualquer exterior. Não pode, contudo.

Por não poder bater asas e voar, deixar fluir pelos ares os sentimentos agonizantes, então tudo faz junção no olhar. E ao invés de olhos gritarem, ao invés de olhos urrarem a dor, então simplesmente passam a transbordar o que já não pode mais suportar.

E lágrimas existem que são desmedidas, incontroláveis, indo além de qualquer querer. Escorrem, jorram, extravasam. E assim acontece porque ali, ali nos olhos, a saída única para que o motivo da dor encontre sua fuga.

Impossível e insuportável seria que além da dor interior, do íntimo sofrimento, o corpo também tivesse que tudo represar, trancando em si mesmo todos os males do mundo, ou apenas daquele instante que se perdura.

A lágrima serve, assim, como uma vazão necessária, como um modo de que o corpo não fique ainda mais sufocado pelo sofrimento. Há de se chorar sim. Chorar muito, intensamente. E chorando deixar que o mal vá se dissipando.

Mas as lágrimas não se derramam apenas com os dolorosos sofrimentos. Elas chegam também numa simples saudade, numa nostalgia, numa relembrança de algum momento marcante na vida. Até pela intensa alegria ela pode chegar.

A solidão e a tristeza, e ainda que esta não tenha motivo aparente, também chamam lágrimas. De repente, e até sem perceber, a pessoa se vê lacrimejando. O que foi, se pergunta. O que está acontecendo comigo, indaga. A resposta: o sentimento se expressando através da lágrima.

Então vem o lenço. O lenço encharcado, depois é lavado e colocado em varal. Mas que não se imagine que ele já está enxuto e pronto para ser guardado. Eis que o lenço continua molhado de lágrimas.

Somente o lenço sabe o quanto ele já foi estendido em adeus, levado aos olhos como amigo, silenciosamente compartilhado dos noturnos sofrimentos. Por isso que todo lenço é tão triste. E sempre chora pelas lágrimas daquele olhar.

Escritor

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