O PERIGO DA LEITURA

Li, pela segunda vez, o clássico do autor americano Ray Bradbury “Fahrenheit 451”. O livro é inquietante, provocante, delirante e desestabiliza até os leitores menos sensíveis. Lê-lo é uma experiência que indico para quem deseja despertar sua paixão pela literatura. É um livro de ficção científica, mas com um enredo que soa tão real que isso fica em segundo plano já nas primeiras páginas.

Só para dar um pouco de água na boca, Fahrenheit 451 é a temperatura que o papel do livro pega fogo, isso porque naquele regime totalitário (só naquele?) os livros representam uma ameaça para o sistema e isso faz com que sejam absolutamente proibidos. Quem tem a posse de algum livro é tido como um criminoso e esses objetos perigosos são queimados.

Fico imaginando o quanto daquele universo distópico está presente hoje em nossa sociedade. Obviamente que não há hoje uma proibição em relação à leitura, ao contrário, gozamos de um Estado democrático de direito e fazemos o que bem entendemos. Mas aí está o cerne da questão: fazemos o que entendemos. O entendimento da importância da leitura e, consequentemente, da cultura, sobretudo nas classes mais baixas, é insuficiente. As ações realizadas para estimular essa juventude digital a ler são desastrosas e a vontade, sejamos sinceros, a vontade é mínima.

A leitura é um excelente exercício para despertar as pessoas desse mundo de alienação, por isso tenho que concordar com Guiomar de Grammont, em seu delicioso e provocante texto “Ler devia ser proibido”, os regimes totalitários compreenderam isso há séculos, ler faz mal às pessoas, acorda os homens. Há um grande perigo no ato de ler, torna o homem um ser crítico, pensante, atuante, consciente.

Para que sair de nossa cômoda e confortante zona de conforto? Para que correr o risco de pensar diferente, de agir diferente? Melhor sermos prisioneiros, acreditando nas sombras projetadas, a termos que enxergar a realidade fora da caverna. Melhor mesmo é nos contentarmos com nossa condição de marionetes, porque assim não precisaremos pensar. Pensar dá muito trabalho.

Conhecimento é responsabilidade e nossa geração facebook prefere um corpinho sarado para poder postar aquela self ridícula em frente ao espelho, a ter o peso da responsabilidade sobre suas mentes. Faço o mesmo apelo de Guiomar para os pais, não deem livros para seus filhos! Deem celulares de última geração, esses aparelhos são tudo o que eles precisam, são programados, são desumanizantes, são alienantes, são símbolos de poder e, se utilizados na medida certa, tiram toda capacidade crítica de uma pessoa. Além, é claro, de eles estarem quietos, na segurança de seus quartos, privados do nocivo convívio social.

Talvez aquele mundo opressivo de Fahrenheit 451 seja a melhor saída para todos nós. A liberdade não nos trouxe a humanidade que tanto necessitávamos, ao contrário nos deixou imbecis. Basta comparar as letras de músicas de 50 anos atrás e as de hoje que chegaremos a essa triste e contraditória conclusão. Não sei se o Ray Bradbury era um visionário ou um profeta, mas enxergou nossa superficialidade de hoje, em 1953. Basta ler esse trecho: “Então, vê agora por que os livros são tão odiados e temidos? Eles mostram os poros no rosto da vida. As pessoas acomodadas só querem rostos de cera, sem poros, sem pelos, sem expressão.” É hora de acordar!