UMA MORTE DELICADA

A morte sempre nos assusta, por mais durão que aparentemos ser. Admiro muito como os orientais tratam do assunto. Hoje, no entanto, a morte me afetou logo cedo, quando vi na garagem do condomínio um pombo moribundo. Já não é a primeira vez que os vejo nesse lugar, acredito que eles estejam realmente escolhendo o local para morrer, não sei se pela tranquilidade ou por outras questões específicas.

O fato é que havia naquele pombo uma altivez digna de um rei, mesmo estando visivelmente à beira da morte. Confesso que fiquei a observá-lo, tentando extrair algum aprendizado de sua lição final de nobreza. Não havia agonia, tampouco aflição visível. Sua soberania infundiria respeito a qualquer um. Mesmo sabendo o quanto alguns desprezam essa pequena ave, a integridade de um pombo diante da morte é algo que precisa ser respeitado por todos nós.

Li em algum lugar que esses pássaros foram criados pelos asiáticos desde a antiguidade mais remota, o que certamente explica muita coisa. Acho que aqueles homens atingiram o equilíbrio e sobriedade tão característicos muito por conta dessas criaturas. Mas isso é só ideia minha... O que se sabe de certo é que o pombo-correio é o ancestral do whatsapp, e isso comprova como a tecnologia deixou mais ridícula e eficiente nossas relações.

Secretamente penso como será o momento de minha morte, terei a imponência do pombo em seu elegante falecimento? Ou deixarei que todo meu apego humano fale mais alto e me desesperarei em gritos fatais? Eu rogo a Deus que me dê a suavidade letal dos pombos, mas, sobretudo, que tenha a longevidade de uma tartaruga...

Não posso afirmar, nem sei quanto tempo pode viver essa espécie, mas penso que esse exemplar que viera morrer na garagem do meu condomínio seja um pombo velho, que já tenha voado muito e avistado horizontes que nunca me serão possíveis. Esse pensamento, de certa forma, me acalanta. Sinto um pouquinho de alívio em supor que a missão dele foi cumprida.

Lembro, então, dos idosos sentados em bancos de praças a alimentar essas aves. Alcançaram uma sabedoria simples e essencial que os permite a identificação até mesmo com plantas e insetos. Sabem a nobreza dos pássaros e tentam compreender, em diálogo amoroso, o fim que se aproxima.

A morte é mesmo um mistério iniludível e nos dá lições que muitas vezes não compreendemos. Já fiquei sabendo da tendência americana do velório drive thru, que é uma maneira de transformar a morte em fast food. Talvez seja a forma superficial que muitos encontram de se relacionarem sem muito envolvimento. Acabamos esquecendo que o sofrimento e a perda também fazem parte da vida. Conheço gente que prefere nem tocar no assunto.

A verdade é que ninguém escapa, o jeito é aproveitar com sensatez o tempo que nos resta. Gosto da ideia que estamos caminhando para o nosso funeral, é meio sinistro, porém nos faz enxergar que estamos de passagem. O que temo mesmo é o fim do Rei Lear, da tragédia de Shakespeare, que ficou velho antes de ficar sábio, pobre Lear! Que a sabedoria nos chegue sempre primeiro para que tenhamos uma velhice calma e então nos prepararemos para uma morte delicada, como a dos pombos.