Glória No Brasil

Estava no Centro de São Paulo no meio da tarde de um dia de verão. Tinha acabado de dar aula particular para uma aluna que em breve estaria viajando para os Estados Unidos. A aula seguinte seria às 18:00 hs por isso andava tranquilamente da Brigadeiro Luis Antônio até a Biblioteca Mário de Andrade na Rua da Consolação. Antes de chegar no Viaduto 9 de Julho esbarrei com a Gloria, uma colega de trabalho.

A Gloria é Sul Africana e casada com um brasileiro. Ao me enxergar de longe, ela abriu aquele sorriso largo e também os seus braços. Sinto o quanto ela gosta de mim pelo aperto que ela me dá. Devolvo o abraço na mesma intensidade e acrescento um beijo no seu rosto de veludo negro macio.

A Gloria adora o Brasil e o nosso povo. Ela mora no Centro desde que chegou ao país e qualquer um logo percebe que ela se sente em casa. O português não lhe parece nenhum bicho de sete cabeças. Apesar do pouco tempo aqui, a Gloria fala português muito bem. Sempre que aprende uma nova palavra, gíria ou estrutura gramatical ela retira um caderninho da bolsa e vai logo anotando. A Gloria é uma figurinha rara.

Após uns dez minutos de caminhada, a Gloria faz um convite, "Vamos comer melancia Patricia!?" Olho pra Gloria com aquela cara de 'Você tá brincando, né?', mas ela retruca, "Ah! Vamos menina! Vai! Melancia geladinha nesse calor é uma delícia!" Como vou discutir com a Gloria? Nem pensar. Não vou ousar estragar o piquenique dela bem no Centro de São Paulo. "OK Gloria. Vamos comer melancia!"

Caminhamos até a esquina onde encontramos um carrinho carregado de frutas como abacaxi, tangerinas, pêssegos, bananas e a tão desejada melancia da Gloria.

Confesso que nunca encontrei coragem para comer frutas fatiadas e servidas ao ar livre no Centro de SP, mas a Gloria queria tanto que resolvi arriscar. Na minha cabeça ouvi uma voz que dizia, "Seja lá o que Deus quiser!"

A Gloria pediu uma fatia de melancia e eu optei diferente dela. "Eu vou de abacaxi. Pode ser?" O vendedor respondeu que sim. A Gloria questionou a minha pergunta. "Como é mesmo que você falou: Eu vou de abacaxi?" Respondi que sim e repeti, "Eu vou de abacaxi." Ela pediu para o vendedor esperar um segundinho e foi logo pegando o caderno para anotar a expressão. Falando em voz alta e escrevendo ao mesmo tempo a Gloria faz a observação: "Eu vou de melancia e a Patricia vai de abacaxi! Pronto!" Aquele belo sorriso largo não só refletia alegria em degustar a melancia mas também o fato de aprender uma nova expressão idiomática em português. Para fazer a Gloria sorrir não precisava de luxo nem de muito esforço.

Do nada a Gloria apontou para a rua de paralelepípedos e entre gritinhos ela soltava, "Look! Look Patricia!!!" Olhei e não entendi nada. Novamente ela apontou e toda eufórica disse, "Olha! Veja quantas plantinhas! Que lindo!" O vendedor também não entendeu nada. Resolvi perguntar o motivo de tanta felicidade e qual não foi a minha surpresa quando ouvi o que a minha amiga tinha para contar.

                             

O sorriso da Gloria desapareceu enquanto explicava, "Você não deve saber o que é plantar uma semente e cuidar dela com carinho por dias, semanas ... até por meses e nada brotar. Minha mãe adora plantas e sempre guarda as sementes das frutas que comemos para depois plantar. Só para ter uma ideia Patricia, uma vez mamãe ganhou uma manga e comeu com tanta vontade que chupou até o caroço. No dia seguinte plantou o caroço e daquele dia em diante dava água e muita atenção para ver uma mangueira nascer ali. Infelizmente, nada brotou. Nada. Mas veja só aqui nessa rua! Entre os paralelepípedos tem muitas plantinhas brotando! E ninguém plantou nada! As pessoas apenas comem e cospem as sementes. Ninguém molha. Ninguém cuida. Só mesmo a natureza brasileira que é realmente abençoada! De onde venho, as pessoas plantam e cuidam, mas é muito difícil uma sementinha viver e virar uma árvore ou planta. É muito triste, não acha, amiga?"

Olhei para o chão daquela rua e vi um monte de brotinhos esparramados entre as pedras. O vendedor de frutas também olhou, com certeza com um olhar bem diferente e muito mais consciente assim como o meu depois que a Gloria nos contou aquela história.

Só mesmo a Gloria no Brasil. 

OBS: 2a vez que publico "Glória No Brasil" em homenagem à minha amiga Glória.

Calada Eu
Enviado por Calada Eu em 05/10/2020
Código do texto: T7080416
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