Sarau de Velhada

Tive o prazer de conhecer, recentemente, um senhor magricela, branco, olhos estreitos e meio parecido com um personagem teatral. Rosto sulcado pelo tempo, e talvez por vários sofrimentos. Tem uma voz forte e sorriso fácil, porém indefinido. Em sua boca murcha, apenas um dente no centro na mandíbula superior e esse dente mais lembra um pequeno prego que se desintegrou pela ferrugem de décadas de exposição ao relento.

Ele tem apelido de fera, Zé da Onça, mas seu caráter é de quase docilidade. Sujeito falador, alegre e meio bonachão, sempre nos agradando com mui boa acolhida, churrascos e cervejas. Coloca na mesa tudo de melhor e tudo de tudo que tem em sua humilde despensa, o que faz a festa dos glutões e a cabeça dos *boca de goles. Não mencionarei a mulherada que o rodeia, afim de abocanhar parte, senão todo o dinheiro, que o velho recebe de aposentadoria

Um certo fim de semana, depois de caloroso convite, visitei sua casa com o objetivo de tocar violão em um encontro de idosos. Nem sei quem teve a ideia de promover tal evento, mas confesso que gostei de ser convidado e esperado como boa atração dessa festinha de velhotes. Eu, já na terceira idade (tenho 64) era o segundo mais novo daquela velhada presente.

Levei como prenda uma garrafa de vinho, barato, claro, e algumas verduras colhidas de minha própria horta. Já encontrei carne assando e uma linguiça, feia e rosada, que exalava mais cheiro do que sabor. Foi o que imaginei pelo meu bom faro.

Em sua empolgação ele entrega a casa para as visitas e fica fanfarronando entre os convidados, tentando nos impressionar com suas historietas alegres (algumas bizarras) e que me parece com bem pouco fundo de verdade. Bebe uma pequena cachaça de guia, segura uma latinha de cerveja, belisca um pedaço de carne assada e ainda tenta dar alguns passos desengonçados, que se atreve chamar de dança, ao som de uma *sofrência que roda em seu pen-drive.

Depois de ser apresentado pelo sr. Zé da Onça aos demais, tomei o violão, que já estava afinado em diapasão, e comecei tocando umas modas sertanejas, tentando cantar afinado bem ao centro de uma roda de anciãos bêbados e saudosos de sua mocidade. Ao perceber que um senhor caiu em prantos, pela nostalgia ou pelo efeito da birita, sei lá, resolvi mudar o estilo e cantei jovem guarda, que a maioria conhecia e a festa perdurou. Juntos, recordamos mais de trinta canções dos anos 60 e 70. Foi maravilhoso. Daí, resolvemos fazer um intervalo. Guardei o violão, tomei uma taça de vinho, e caímos no bate papo, animado.

Eu pretendia ficar várias horas por lá, mas me desanimei com as lorotas e fanfarronices que ouvia. Neguinho de 80 anos dizendo que fazia sexo com morena de 30 e que deixava a moça meio morta e tanto... outro, não menos novo, contou que sua média baixa de orgasmo era de 18 por mês... teve até um bisavô arrotando que saía com duas mulheres por semana.

Fiquei um pouco constrangido, e antes que eles me cercassem para ouvir meu relatório, tomei meu violão, entrei no carro e dei a partida. Saí sem ao menos me despedir.

(Pardon)

( Pardon )
Enviado por ( Pardon ) em 08/10/2020
Reeditado em 10/10/2020
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