O CASARÃO DE DONA AUGUSTA

                                          Da série:
                     ( Sob o sol dos meus melhores dias )


Uma das janelas da casa onde moro, abre-se para um terreno amplo onde hoje existe um restaurante e uma movimentada cancha sintética de futebol.
Janeiro /2020
Doze horas de um domingo azulado, uma certa pasmaceira, eu...
Na janela.
Pensamentos voejantes, retornos...

Então:

Ele era fascinado por aquele casarão de madeira com paredes de um rosa esmaecido e janelas venezianas igualmente descoradas, sempre abertas e engatadas a um suporte no formato de uma cabeça humana.
Um pequeno gancho prendia-se ao pescoço daquele “resignado” senhor preso à parede,como forma de evitar as investidas do vento nos gomos das janelas.
Um caquizeiro enorme na lateral da parede e um portão alto que dava para uma calçada disforme de tijolos,ladeada de goivos e gerânios.
Ao final desta, uma escada com uns três ou quatro degraus, a varanda repleta de folhagens e...
Ela !
A sineta que servia de campaínha.
[ Esta ! O sonho de consumo “dele”]
Explicável ! Talvez fosse aquela a mais requintada das moradias naquele vilarejo semeado de singelas casinholas.
Na tarde cheirando a cinamomos, ele empurrou o portão, com o coração em sobressalto e andando nas pontas dos pés cruzou a calçada bordada de goivos e gerânios.
Olhou para os lados.
Apenas uma brisa cheia de leveza conduzia borboletas de uma papoula para outra.
A folhagem do caquizeiro ensaiava um bailado suave e as janelas continuavam presas ao pescoço da enigmática figura humana.
O braço franzino ergue-se para o seu sonho de consumo.
Ouvirá o som da sineta e sairá em disparada estrada em fora, ninguém saberá quem a tocara. Pensa com seus botões.
O metal do pequeno sino rasga o silencio da tarde e inesperadamente a porta se abre.
“Ele”... Tentando desculpar-se.
Não lhe deram tempo.
Dois braços gorduchos o aconchegaram e aquela voz cheia de ternura, misturada a um sorriso – daqueles de mãe – o envolveram.
[ Sentiu-se um feto esperado com amor no ventre materno ]
-Puxe a correntinha, meu filho! Toque a sineta tantas vezes quanto desejar.Se gostas, faça isso ! 
Sem graça, ele preferiu permanecer alguns segundos a mais aninhado no acalanto daquele abraço.
Entre ! Vem tomar uma cafezinho com a gente, vem !
Serviram-lhe uma generosa fatia de pão caseiro besuntada à manteiga e doce de figo.
Ao redor da mesa, quatro mãos erguiam xícaras de um café encorpado e muito doce.
Dona Augusta, Leonor , Cecília e êle. O pequeno intruso.
Mostraram-lhe os cômodos do casarão, ele ficou encantado !
Na saída as três idosas o acompanharam até a porta.
Ele singrava a calçadinha desbeiçada fingindo não ouvir os risinhos discretos e disfarçados, além da voz rouca de dona Augusta às duas irmãs:
- Ele adora a sineta .
Tadinho !

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Ah ! quem me dera ter o poder de reconstruir cenários e nesta tarde modorrenta recolocar o antigo casarão de paredes rosa esmaecido no lugar onde esta barulhenta cancha esportiva por vezes me irrita.
Remover a frieza do asfalto da minha rua e na curva da estradinha de chão reencontrar com “ele”.
O menino que adorava a sineta do casarão de dona Augusta.