crônica da Crônica

Foi publicada pelo Jornal Cidadão a crônica "A criança que mora em nós", de Eliana Jacob Almeida. Um texto conciso e muito sensível - a autora sempre nos presenteia com pérolas maravilhosas. Eliana observa o movimento de produção de avatares no Facebook às vésperas do dia 12 de outubro e discorre a respeito dos traumas de infância que muitos carregam para a fase seguinte.

Sem querer ser indiscreto e considerando a diferença de idade que há entre nós - ela foi uma das minhas professoras na faculdade - senti muita dor e vergonha ao ler suas palavras. Elas levaram-me a refletir sensações que me perseguem há tempos - não traumas de infância mas sentimentos talvez destrutivos e desafiadores - como às que me remetem canções como Não Vou me Adaptar, dos Titãs ("Eu não encho mais a casa de alegria") e o poema Retrato, de Cecília Meireles ( - Em que espelho ficou perdida / a minha face?).

Não sei se digo que minha criança interior se cansou de minha casmurrice e fugiu de casa ou que, forçosamente, amadureceu e não está mais para brincadeiras.

Fato é que às vezes me sinto afundado demais nas preocupações e nas tarefas de adulto que me esqueço de convidar a criança que mora em mim para brincar e rir sem razão. Um amigo me disse esses dias que sua mãe falava para ele caregar dois bornais, um furado e o outro, sem furo. O que encontrasse pelo caminho de bom, que colocasse no bornal bom para que levasse consigo e o que achasse de ruim, colocasse no bornal furado e deixasse cair pelo caminho. Creio que meus dois bornais estejam sem furo nenhum e sejam imensos, pois o peso só aumenta.

Penso que com esse peso todo não esteja sobrando espaço para minha criança interior. Acho que vou furar ambos para aliviar o peso dos ombros e depois, quando estiverem vazios, costurarei um deles - "A vida é um rasgar-se e remendar-se". Isso na esperança de que sobre espaço e que eu possa chamar minha criança interior de volta para casa. Dançaremos ciranda, brincaremos de esconde-esconde, de balança caixão e de barata; tomaremos ki-suco de morango, comeremos muitos doces e viveremos felizes para sempre!

Antônio Carlos Policer
Enviado por Antônio Carlos Policer em 10/10/2020
Reeditado em 15/05/2022
Código do texto: T7084372
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