PARÓDIAS...

Para alguns compositores suas músicas são como filhos. Uns mais bonitos, outros nem tanto, uns mais altos, outros mais gordos, mas todos filhos e amados igualmente. E ai de quem os humilhe!

Pelo menos pra mim é assim!

A única diferença é que filhos são gerados por dois indivíduos, um macho e uma fêmea. Pelo menos ainda é assim, enquanto a genética não conseguir ganhar da ética.

E as músicas, bem, as músicas podem ter um, dois, três ou mais pais ou mães. E pasmem, de sexos iguais ou diferentes. Logo as músicas são uma evolução dos filhos.

Quando a paternidade é posta em dúvida ou atribuída a outrem, também é duro para o autor. Lembro em 97, na época do primeiro show mostrando minhas composições, quando fui entrevistado em uma emissora de televisão e o repórter insistia em dizer que as músicas que eu apresentaria eram do Clube do Camelo.

- Mas você não faz parte do Clube do Camelo?

- Faço, mas...

- E as músicas são em parceria?

- Algumas são outras não.

- E seus parceiros também não são do Clube do Camelo?

- Nesta mostra todos são, mas...

- Então as músicas são do Clube do Camelo!

Tive que me conter para não ser grosseiro e lembra-lo de que, apesar dele e sua mulher trabalharem naquela estação de televisão, seus filhos eram somente deles e não filhos do Canal 4. Mas como ele não era compositor não poderia entender, evitei prolongar a polêmica, apenas insistindo que as músicas eram minhas, mesmo que com parceiros e parando por aí.

Talvez por este sentimento que tenho em relação às minhas músicas é que detesto paródias. Acho um desrespeito com o seu criador original. Pode-se fazer músicas com humor, mas é um pecado fazê-las sobre composições alheias.

Esta história é sobre duas paródias, e apesar da minha aversão pelo gênero, à bem da verdade, sinto-me no dever de contá-la.

Muitos compositores não se sentem como eu. O Pepê, de saudosa memória, gostava de implicar com o poetinha do clube, o Eduardo Queiroz.

De repente, ninguém sabe por que apareceu com uma letra diferente sobre uma melodia minha, do Dantas e do Edu, que originalmente tinha a letra deste último.

O original era um fado. O “Fado antigo”, gravado no primeiro CD do clube. Um dos dois mais belos fados brasileiros que conheço. Gosto não se discute! O outro fado de que me refiro, por coincidência é também paraense e do Pepê, o "Navegador", mais divulgado depois de sua morte.

Dizem que o fado é gênero musical genuinamente brasileiro. Feito por portugueses, é certo, mas criado no Brasil, com saudades da terra natal, na época de D. João VI, quando a corte lusitana transferiu-se para cá.

Verdade ou não, o certo é que existem belíssimos fados contemporâneos feitos por brasileiros e, na minha opinião, o Fado antigo é um dos mais bonitos, apesar das águas do Tejo não serem tão verdes assim. Diz mais ou menos isso:

FADO ANTIGO

(Almir Morisson, Raimundo Dantas e Eduardo Queiroz)

Oh rapariga responde

Como esquecer do passado

Daquele amor tão profundo

Nascido na tenra idade

Quanto a mim vivo a singrar

Na caravela esperança

As águas verdes do Tejo

Onde eu gozei minha infância

Quem sabe um copo de vinho

Afogue tanta agonia

E um fado daquele antigo

Traga de volta Maria.

Não lembro toda a letra da paródia. Mas, que me perdoe o Pepê, onde quer que esteja, era de extremo mau gosto. Dizia que o compositor nunca chegou no Tejo, muito mal foi ao Guamá. Xingava a Maria e ia por aí a fora.

Não sei se isso foi a causa, mas a música teve uma história curiosa. Como era costume do Edu, ele dava letras para várias pessoas musicarem sem que uma soubesse da incumbência da outra, e na fase de criação deste fado foi assim. Ele deu a letra ao Pepê por primeiro e sem que este soubesse chegou com a mesma poesia no escritório do Dantas, quando lá estavam apenas ele Eduardo, eu e o Dantas e, a seis mãos e três cabeças, saiu a beleza do Fado antigo inicialmente apelidado de Só fado ou Safado como gozação dos próprios autores.

Quando a música foi mostrada aos outros, inclusive ao Pepê, este não teve coragem de mostrar a versão séria que já havia feito, original, mas contou a história do blefe. Muito tempo depois foi que apareceu com a paródia.

Como não podia deixar de ser o Edu ficou furioso, embora não quisesse dar o braço a torcer e procurou dar o troco usando uma música do Pepê, atingindo-o no que lhe era mais caro: sua terra natal, Santarém (quem nasce lá é chamado de Mocorongo), e seus gatos, o Maradona e a Fafí, só salvando a Estrela e a Meméia.

A paródia ficou assim:

. ORIGINAL

ESTRELA GUIA

(Pepê Ayres)

Violão, o meu cantar é triste

Porque já não existe

Razão para se cantar!

Cantei Maria

Na terça-feira

De carnaval

Cantei seu corpo,

Suor e riso

Até o "grito final"

Fomos pra rua,

Cantei a lua

No silêncio após folia

Cantei a estrela guia

A estrela guia

Louca fantasia

Quimera divina

Luz transcendental

A estrela guia

Mudou-se em Maria

Loura Colombina

Do meu carnaval

PARÓDIA

MEU GATÃO

(Eduardo Queiroz)

Meu gatão, o teu destino é triste

Porque já não existe

Ração pra te alimentar

Eu fui à feira,

Comprei um quilo

De tamuatá

Comeste tudo,

Com açaí

Esqueceste a Fafi

Criar um gato,

Com mordomia

Era tudo o que eu queria

E a Ju contaminei

O Sábio Agostinho

Disse certo dia

Gato mocorongo

Não é angorá

Esse Maradona

Não é bom da bola

Ta cheirando cola

Deu pra rebolar.

O Maradona, o patriarca da família, morreu na véspera de Natal de 2000 com quase vinte anos, muito para um felino, quase três anos depois do seu dono.

Sempre foi muito complicado de saúde. Fez várias operações e em alguma época tinha inclusive um dreno para fazer suas necessidades fisiológicas. Seu dono só não o colocou na UNIMED, junto com ele e a Ju, sua esposa, porque não tinha plano de saúde para gatos. Podia faltar tudo, menos os remédios e o dinheiro para as operações do Maradona.

Dizia o Agostinho, rei da gozação (só não gostava de ser gozado), aumentando o fato verídico, que quando o pai do Pepê estava mal, no hospital e perguntavam:

- Como vai teu pai? O Pepê respondia:

- O papai está na UTI, mas o Maradoonaa ...

E, esquecendo do pai, continuava todo choroso a desfiar o rosário de doenças, males e cirurgias do seu bichano. Claro que era brincadeira, de mau gosto é verdade, como era de gosto discutível a perlenga das paródias.

Imaginem como ficou o desvelado criador de gatos depois da resposta musical.

A arenga continuou até que os dois esqueceram. A amizade, porém jamais acabou. Era como briga de irmãos...