Os Meninos
Bom-dia!
Eu me pergunto: o que faz alguém, eu, por exemplo, a sair do enlevo à beleza deste Lago Encantado de Aramanaí, desligar-me do som natural da Floresta do Tapajós para me dedicar ao diálogo de dois meninos, os que estão a saltar aos galhos do cajueiro do caminho?
Aproximo-me, e eles nem imaginam que estou a viver, no editor de texto do celular, uma rixa de criança que nem a deles. Uma que se passou nos anos 1960, na rua de chão da minha casa (e a minha linda mamãe dizia que menino, fora da escola, tinha de brincar para não criar encrenca). Como não deu a pelada do futebol, sentamo-nos na calçada. Eu, Tuim, nós pés-no-chão, e Adauto, que nos foi ver jogar, e que os adultos tratavam, sem o nosso consentimento, por filhinho-de-papai.
Aí, Adauto deu o pontapé da rixa gratuita com Tuim. Coisa de menino, ele disse que o seu pai tinha Aero-Willys, sapatos de bico, e o pai do Tuim, não. Tinha ternos, gravatas, radiola, discos, geladeira, andou de avião, e o pai do Tuim, não. E o Tuim, a riscar o chão com o dedo, metralhou a fala de que o seu pai não tinha mesmo nada, mas lhe contava histórias e levava flores para a sua mãe, que não tinha o rosto roxo de socos.
Ótimo café!
Lago Encantado de Aramanaí, Rio Tapajós, setembro de 2020.
(De um rascunho meu dos anos 1970, em que descrevo a minha mãe a reprovar essa reação do Tuim. Madrinha dele, o chamou à atenção por ter ferido o coração do Adauto com a verdade. O Adauto, que passou a comer biscoito frito na casa pobre do Tuim)