UM DESCER PARA O ALTO

"Louvado sejas, Senhor,

pelos que guardam a Paz.

Eles serão coroados

por ti, Ó altíssimo."

(Cântico Das Criaturas)

Um jumbo da Alitália vindo de Roma, ao aterrissar na Base Aérea de Natal no dia 12 de outubro de 1991, trazia a bordo um homem. Junto dele, além dos membros do Vaticano que o assistiam, estavam também homens das imprensas escrita e de televisão, cobrindo assim a sua segunda viagem ao Brasil.

O avião parou na pista. Era enorme. Parecia um grande pássaro. Talvez fosse mesmo um grande pássaro voador. Diante do seu tamanho o ser humano, muitas vezes, chega a perder a sensibilidade das pequeninas coisas da natureza.

Do saguão, as câmeras, na expectativa, focalizavam as duas portas. Na pista, as escadas, aproximando-se foram acopladas à lateral. Ordens interior foram dadas para que as portas fossem abertas. A próxima à asa foi a primeira. Por ela foram saindo, depressa, todos aqueles que o acompanharam durante quase dez horas de vôo. Ao pé da outra escada, ele era aguardado por uma comitiva brasileira. De repente, ele apareceu. Lançou um olhar longínquo em todas as direções. Do primeiro degrau da escada, levantando a mão direita, cumpriu um singelo ritual à multidão de fiéis, que ao longe, entre cântico e bandeirolas, contemplavam-no. Devagar começou a descer. Como representante da Paz ele desceu lentamente. Pois Ela, por não ter a pressa nem a preocupação dos homens, sublima o horizonte daqueles que A procuram diante da sublevação milenar. Depois que desceu o último degrau, abaixou-se e beijou o solo brasileiro. Ao oscular a terra ele não desceu. Se desceu, foi um descer para o alto.

Após os primeiros cumprimentos, foi conduzido à esquerda para que, caminhando sobre um tapete vermelho de extenso comprimento, passasse em revista as tropas, a uma pequena distância, ali alinhadas. Empunhando seus fuzis, os soldados brasileiro montavam fileiras, hirtos, inertes, como os soldadinhos de chumbo, em que todo ano, eu, quando menino, via na vitrina de uma loja, mas nunca me foram dados em nenhum Natal. Estão aqueles a serviço da Pátria para manter a Lei, a Ordem, a Segurança, a Liberdade e a paz. Nem que para isso tenham que disparar suas armas.

Durante a revista, caminhou, no cumprimento do dever, mostrando a mesma serenidade de outrora, apesar dos anos passados. Se pudéssemos perscrutar seu coração, talvez compreendêssemos a razão à obediência do dever como cidadão. Todavia, à medida que caminhava, suas vestes brancas reluziam-se aos últimos fachos da luz vespertinas que do horizonte se esvaía.

Terminada a revista, fez um gesto de agradecimento ao oficial que o acompanhou e foi conduzido a outra direção. Outra comitiva a recepcioná-lo. À observância na continência levou-o a postar-se ao lado do representante do Brasil para receber as honras de Chefe de Estado. Primeiro o Hino do Vaticano, depois o Hino Nacional Brasileiro. Enquanto isso, os canhões do Exército  cumprindo o cerimonial  ecoavam paulatinamente. O seu semblante, que era sereno e tranqüilo, alterou-se para uma fisionomia inquieta e cansada. Abaixou a cabeça e fechou os olhos mostrando um certo sinal de abatimento. Parecia rezar. Talvez estivesse mesmo rezando; rezando pela Paz. Naquele momento, um pombinho branco que por ali voava, pousou, suavemente em uma das asas do avião. O amigo-metálico, ignorando a presença do pequenino companheiro, permanecia imóvel aguardando a decisão dos homens. Contudo, o pombinho branco, assustado com o estampido, que era ensurdecedor, arribou-se e desapareceu na linha do horizonte em direção ao pôr-do-sol.

(Osvaldo Resquetti, 15/10/91)

Osvaldo Resquetti
Enviado por Osvaldo Resquetti em 22/10/2020
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