Diário de Bordo (As cartas não mentem jamais)

Diário de Bordo (As cartas não mentem jamais...)

Numa de nossas pedaldas longas, lá por volta de meados do ano de 2013, resolvemos, Eliana e eu, que iriamos até Trindade, uma pequena e charmosa povoação de vida bucólica que fica no litoral do estado do Rio de Janeiro, no município de Paraty.

Embarcamos nossas bikes num ônibus da Viação Reunidas, na rodoviária de São José dos Campos, por volta da meia noite, e chegamos a Paraty de madrugada, lá pras três e meia da manhã de uma quarta-feira.

Pegamos nossas bikes do bagageiro do ônibus, botamos as respectivas mochilas nas costas, e, mergulhamos no que restava de noite, rumamos para a Rio-Santos em buscas das refrescantes praias de Trindade.

Uma Lua Cheia exuberante nos acompanhou por toda a extensão do caminho, com um leve friozinho de Primavera tornando o nosso pedalar ainda mais agradável, bafejados pelo orvalho e pela brisa marinha que nos empurrava gentilmente estrada a fora. E foi nesse ritmo festivo que descemos a estonteonte ladeira Deus-me-livre, escoltados pelo rangido soturno dos nossos freios, e nos deparando lá embaixo com o som das ondas do Atlantico batendo nas portentosas pedras da praia do Sono.

Como ainda era muito cedo, resolvemos ficar ali pelas pedras, caminhando entre elas, e nos preenchendo da presença revigorante do mar. Lá pelas sete horas da manhã, adentramos a Vila de Trindade, ainda meio adormecida.

Fizemos um desjejum numa padaria e fomos procurar uma pousada para passar alguns dias. Como era uma época de baixa temporada, e ainda meio de semana, foi muito fácil localizar o que queríamos por um preço bem convidativo.

O passeio transcorria às mil maravilhas. Visitamos os pontos mais bonitos de Trindade, pedalamos pelas trilhas paradisíacas, tomamos banho de cachoeira... enfim desfrutávamos de um descanso mais que perfeito a beira-mar.

O que não estava no script era o fato de Eliana, pouco mais de dois dias após nossa chegada a Trindade, ser acometida por uma brutal crise de enxaqueca. Pra cuidar dela e encontrar os medicamentos adequados, (após gastar todo o meu arsenal de terapeuta) fui falar com a gerente da pousada, uma garota muito prestativa, natural dos pampas gaúchos.

Ela não tinha nada pra enxaqueca. Então lá fui eu para a farmácia e comprei os comprimidos; dei para Eliana tomar, e fiquei por ali esperando a crise se debelar.

Numa das minhas descidas, a garota me aborda e me pergunta se eu não abriria o Tarot para ela, pois havia ficado curiosa com o fato de saber que eu era um tarólogo...

Dentro da minha mochila, como habitualmente faço, eu havia levado dois decks, (baralhos) e deixando Eliana medicada e bem acomodada no nosso quarto, fui atender o pedido da gerente da pousada.

Escolhemos um aposento tranquilo, livre de outros olhares, fiz algumas perguntas de praxe pra ela, expliquei um pouco sobre a maneira como eu lia o Tarot, e efetuei uma abertura de cartas, (após duas outras como preliminares) utilizando a Árvore da Vida Cabalística, respondendo as expectativas dela para os próximos doze meses.

Nessa leitura, entre outras coisas, foi prognosticado que ela iria morar no exterior, através de um casamento com um estrangeiro. Esta perspectiva a encheu de espanto e uma incredulidade meio risonha, e eu me limitei a dizer que estava tão somente interpretando as informações relativas aquela abertura de cartas.

Terminamos a leitura, Eliana não melhorou da crise de enxaqueca, e assim resolvemos abortar a nossa estadia em Trindade. Subir a Deus-me-livre pedalando estava definitivamente fora de cogitação. E pra acrescentar um pouco mais de dificuldade, era um domingo e não havia mais ônibus pra Paraty.

Eu disse pra Eliana não se preocupar que a ajuda viria. Deixei-a descansando, desci, e na passagem acertei as contas da pousada com a garota, e sai para a rua. Parei numa esquina, e não levou mais do que cinco minutos uma caminhonete para ao meu lado e seu condutor me pede uma informação. Dou-lhe a informação pedida e lhe pergunto se ele me levará até Paraty, com as duas bikes e Eliana...

Fui prontamente atendido.

Em pouco mais de quinze minutos encostamos a caminhonete na frente da pousada, coloquei as bikes na carroceria, e lá fomos nós, agraciados pela ação de Shiwa, ladeira da Deus-me- livre acima, com um monge budista nos conduzindo em seu veiculo.

Foi sorte?

Bem, eu prefiro acreditar em um evento singular de sincronicidade.

(Ah, seu João! E esse tal negócio das cartas que não mentem jamais?)

(Nossa! Quase que me esquecia disso, gente...)

Uns dois anos depois, essa menina que era a gerente da pousada que ficamos em Paraty, me manda um alegre "Oi, seu Bruxo!", desde sua casa em um país andino, casada e mãe de uma linda criança.

Terras de Olivença, manhã de tempo nublado de uma quinta-feira de Outubro, antevéspera de uma Lua Azul deste ano da pandemia de 2020.

João Bosco

Aprendiz de Poeta
Enviado por Aprendiz de Poeta em 29/10/2020
Reeditado em 30/10/2020
Código do texto: T7098887
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