Para uma linda amiga.

Conheci dona Olga pelos idos de 2012.

Assim que me aposentei após 30 anos em sala de aula, resolvi cuidar um pouco de mim. Um tempo para meu corpo e minha alma, finalmente! Triunfalmente, um tempo para mim. Entrei numa escola de oleiros e aprendi a esculpir e a produzir utilitários, iniciei um curso de homeopatia clássica e também comecei a praticar Tai chi chuan, uma arte marcial chinesa que promove uma meditação em suaves movimentos.

Foi nas aulas de Tai chi que conheci a dona Olga. Uma senhorinha para lá de simpática, sorridente e atenciosa. Sempre que eu chegava para a prática, já estava a Olguinha a postos. De imediato eu ia cumprimentá-la e, depois, os outros colegas.

E lá ia uma hora de prática acontecendo ininterrupta e ela ali, firme. Já estava perto dos 90 anos e gostava de dizer que a prática chinesa a havia libertado de fortes dores no joelho.

A dona Olga não enxergava bem e eu ou alguma outra colega de turma a levava para casa após as aulas. Era só atravessar a rua. Outra ia buscá-la e assim íamos convivendo.

E aí veio o golpe de 2016: a Fundação responsável pelas aulas teve suas verbas cortadas, a cinemateca dissolvida, enfim, cultura que é bom, neca e dulcineca. Perdemos o nosso bom professor para uma empresa privada e, com o dinheiro curto, atendemos o convite da Olguinha: vamos praticar o Tai chi na sala de casa. Duas colegas e eu prontamente marcamos um expediente para tal. Chegando ao seu apartamento, empurrávamos as cadeiras para o canto da sala e lá íamos nós articulando doces movimentos de braços e pernas ao som de música zen.

Passei também a jogar canastra com ela na sala de visitas uma vez por semana. Às vezes, um café, outras, um sorvete.

Aprendi com ela a tomar sorvete junto com gelatina. Muito bom!

E, depois, não mais enxergando, passávamos a frequentar a sua casa apenas para uma boa conversa. E como ela sabia da vida! Contava dos seus tempos de carnaval, da juventude muito bem vivida, do seu trabalho como agente de saúde a subir morros e a ensinar mães a cuidarem dos seus rebentos.

Dotada de refinado bom senso, contava das suas peripécias para fugir dos namorados quando eles mencionavam a palavra “casamento”. Ela preferiu viver em liberdade, viajando quando podia, dançando nos bailes quando não havia perigo. Pedia a Deus por mim e pelo meu filho. Rezava todas as vezes que eu saía de viagem.

Dona Olga sabia muito.

E em dezembro, lá vinha o seu aniversário com bolo, torta de frango, pudim e que tais. Uma mesa linda para as suas poucas amigas sobreviventes de uma longa jornada.

Eu ia visitá-la sempre levando ora um sorvete feito por mim, ora um bolo. Tentei fazer o pão de ló que ela tinha vontade, mas não ficou a contento. Procurei nos supermercados a iguaria já pronta, mas não se faz mais. Panetone, bolachinhas, sabonetes de calêndula... tudo ela gostava e agradecia com alegria.

Veio a infame pandemia e deixei de visitá-la. Eu tinha muito medo de ela se sentir abandonada. Eu telefonava, deixava mensagens com a cuidadora, e pedia para que explicasse o motivo da minha ausência. Ela entendia sim.

E hoje a Olguinha, a nossa Olguinha, de quase 97 anos se foi.

Deixou um recado para Rosana, a cuidadora:

“Não chore. Não fique triste. Vou com a minha mãezinha. Estou bem”.

Lembro um brilhante companheiro de jornada no colégio jesuíta, Pe. Miron, que dizia: ”às vezes a gente vê melhor quando fecha os olhos”.

Receba o meu abraço ausente desde fevereiro, dona Olga. Eu tinha esperança de lhe levar de novo aquele sorvete de morango ou aquela cuca de banana.

Aproveite agora o colo amoroso da mãezinha, relembre as coisas boas, engraçadas que a sra. gostava de nos contar... e viva feliz e em paz plenamente.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 31/10/2020
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