Bauman

A única chama que era acesa logo pela manhã não era da lareira, nem do fogão, mas dos corpos: e a agora não se sabe quando foi a última  vez que o amor chamou pelo fogo um do outro...

O tempo do candeeiro passou - agora é a era de juntar dinheiro e comprar uma máquina de lavar. O tempo de viajar passou - agora é o tempo de comprar um microondas e uma máquina de passar...

E nessa maquinação os dias passam, mais maquinais que o acender do fogão, mais monótonos que o ligar das máquinas. Antigamente, o fogo era na cama, matinal, à lenha, os gemidos, sussurros e o crepitar dando pra ouvir do quintal, deixando até os ouriços uriçados. Agora, quando o marido não é pau mole, é pão duro... agora, quando a mulher não é frígida, é soturna...

E logo ela que tanto pensou que era sortuda de casar tão nova, enquanto as outras ficavam pra titia...

Enquanto se afastavam da roça, a tecnologia se aproximava da cidade.

O casal fervente, que se correspondia por cartas e fugidinhas dentro da mata, agora é mais ausente que status de zap-zap - aliás, nem se falam mais cara a cara - só pelo face - e quando falam, mandam umas carinhas tristes, quando têm contas a pagar, outras felizes e muitas engraçadas, quando as contas estão pagas. O sonho americano se despedaça como um copo, e escorre pelo ralo como água. O faz-de-conta se desperta: o "amei" lhes causam reações de entorpecimento. As palmas no feed citando Bauman… Enfim, o líquido do café diurno transborda a xícara: o casal toma seu desjejum com um desejo incomum de sabe-se lá o quê...Talvez esquecimento... E então, quando as xícaras esvaziam, cada qual leva sua loiça pra pia, pega seu celular sem se dar conta que suas vidas são mais vazias, dentro dessa casa fria - antes quente feito brasa - e abraçam, sorridentes, seus deprimentes dias...

Enfim, a chama se apaga, o chá esfria, a ansiedade se acalma com a dose do calmante... e dormem, sonhando que são felizes, como se fizessem amor... Como dois amantes.

...em graus Fahrenheit.