A CASA EM QUE NASCI. AMANHÃ, UM NOVO DIA.

Amanhã será outro dia, meu novo dia, permitindo a grandeza do universo questionado em suas fontes que eu acorde e respire. E corra. Um vício enquanto Deus permitir.

Amanhã será outro dia, um novo dia, transitarei também pelos mesmos lugares, alguns que passei muitas vezes ainda menino, quando a calma absoluta reinava. Os oitis na rua onde nasci recebiam os pássaros e o barulho dos pardais; era intenso. Ouve-se hoje sepulcral silêncio...dos pardais, que se foram. Mas é grande o movimento de carros em frente à casa em que nasci onde gigantesco edifício subiu. Por vezes paro e olho a mesma árvore e o poste que quando rapaz serviam de garagem e marcos para um imenso cadillac antigo que tinha e com destreza encaixava entre esses pontos.

Não sabia que estava a viver um sonho quando era menino e adolescente. O sonho da minha paz que olhava a paz reinante. Não havia passado o tempo, a cidade não resfolegava perdida e sufocada no meio das gentes e dos carros. Só via felicidade nas pessoas, não via inveja ou ansiedades, maldades, nem saberia que mais a frente veria desfilar tantos desencontros no mundo, das pessoas, das famílias, das relações todas nas quais se envolve a sociedade tão próximos. O destino quis colocar tudo isso na minha frente, com detalhes significativos, expostos maximamente, sem véus, até aonde eu pudesse conhecer como são as pessoas, suas almas sem vestimentas, desnudas...na minha frente, com seus vícios, egoísmos, mentiras, complexos, ostentações, problemas e confrontos, para que eu definisse o caminho a seguir.

Passei e parei hoje, de novo, em frente ao chão onde nasci, porque se nascia nas casas, hoje chão de muitas casas, empilhadas agora, asfixiado o céu para onde olhava do quintal e comia amoras que debruçavam em nosso telhado vindas da casa vizinha.

Passo em sua frente, mas tenho evitado. Ali não passam mais meu pai, minha mãe, minha irmã. Se foram... A bela casa hospitaleira como um chalé suíço, estilo enxaimel, não mais existe. Lá está um gigantesco edifício.

Minha avó já dizia, “são casas de cômodos do diabo”; se referia a apartamentos. Estava certa, adivinhava, são os locais onde brotam as maiores somas de conflitos que batem às portas dos tribunais.

Quantos moram sobre o chão em que nasci? Quem? Não sei e ao futuro nada importa. O amanhã dirá que nesse lugar não se nasce mais, hoje se nasce em hospitais. O ontem sabe o passado, que fica, e sabe que antes de ser a casa em que nasci, feita por meu pai, era mata atlântica beijada pela bela Praia de Icaraí, que me extasiou na infância e me brindou na juventude em meio aos namoros e festas. Corrida do tempo, de belezas e alegrias. Os coqueiros, na Praia, onde as moças bonitas se reuniam.

Não conhecia esse mundo do futuro onde eu não seria mais menino, rapaz, nem percebia o amanhã de hoje quando subia minha rua de bicicleta para ir ao Colégio, o Colégio Salesianos, onde hoje estudam minhas netas. No meu tempo só meninos estudavam. Como tudo, mudou.

E ansiava a chegada das férias para mergulhar nas loucuras dos folguedos e no mar que me viu nascer, quase com os pés dentro dele.

Minha cidade mudou, eu mudei, mas os amanhãs continuam a me receber com o sabor da vida....também em uma casa, ilha em meio a edifícios, praticamente a única da minha rua, que o capital assediando quis me tomar, sem sucesso, minha casa, com seu beiral que o luar borda em sombras em seu sagrado chão, onde se criaram meus filhos e agora correm minhas netas.

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Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 06/11/2020
Código do texto: T7105292
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