MAIS UM SIGNIFICADO PARA " A ÚLTIMA CEIA".

Li outro dia, no jornal La Stampa, que em Milão um italiano afirma ter descoberto várias outras figuras dentro da obra prima de Leonardo Da Vinci, A Última Ceia; entre elas a de um templário e a da Virgem Maria. Os especialistas garantem que isso é pura invenção; coisa de gente que não tem o que fazer de melhor e quer mesmo é ter alguns minutos de fama. Poder ser; volta e meia aparece alguém com uma novidade espetacular. Ora um achado capaz de mudar a vida da humanidade, como esse livro que revela um tal “Segredo” e por isso, vende como se vende cocaína, as toneladas; ora uma descoberta inacreditável, e tantas mais desse tipo. Há também descobertas dentro de outras obras famosas, geralmente livros, quadros e esculturas; são mensagens codificadas que revelam segundas intenções de seus autores. Mistérios!

A Bíblia talvez seja o livro mais misterioso de todos. Não só por serem alguns de seus versículos incompreensíveis para judeus e cristãos comuns – os especialistas,porém, sabem do que se trata – e também por certos capítulos e até por um livro inteiro, que é o caso do Apocalipse. Sempre recebem interpretações. Na maioria das vezes, de acordo com a época e com as circunstancias dos interessados. Um versículo carregado de mistério é o de número 4 do capítulo 6 do Gênesis.”Havia, naqueles dias, gigantes na terra; e também depois, quando os filhos de Deus entraram (possuíram) as filhas dos homens e delas geraram filhos; estes eram os valentes que houve na antiguidade, os varões de fama.” Dependendo de que edição da Bíblia for consultada, em língua portuguesa, “antiguidade” pode ser “tempos antigos”; uma época indeterminada e desconhecida. E “varões”, numa edição, é “heróis” em outra. Esse versículo me parece muito pagão, muito mitologia greco-romana. Todavia há quem diga: “tradução, traição”.

Leonardo Da Vinci e Michelangelo, esses dois gênios da Renascença, têm sido “decifrados e interpretados”, ao longo dos séculos e algumas de suas obras foram até mesmo “atacadas”, como se sabe. Os anjinhos nus de Michelangelo já foram pintados para encobrir a nudez infantil exposta em ambiente sagrado. Monalisa, o quadro pintado a óleo sobre madeira, era retangular. Mas um dia, por algum motivo, foi serrado dos dois lados e ficou com esse formato de retrato que hoje conhecemos. A Última Ceia, de Leonardo da Vinci, vem sendo “interpretada” sem nenhuma conclusão definitiva sobre o que verdadeiramente representa, além do que simplesmente aparenta. Há quem veja na obra o exato momento em que Jesus anunciou que havia um traidor entre eles; provavelmente Judas. Os apóstolos então ficaram espantados, como se pode perceber nas feições deles. Outra interpretação diz que Da Vinci representou o momento exato em que Jesus instituiu a Eucaristia tomando em suas mãos o pão e o vinho.Existem outras tantas interpretações; e livros e filmes foram escritos e produzidos para provar cada uma das teorias. Quem sabe o verdadeiro significado da posição de Jesus e dos apóstolos naquela derradeira ceia? Leonardo, certamente, sabe.

A Última Ceia não é uma tela, um quadro, como nos dá a entender as inúmeras reproduções disponíveis e a ornamentar paredes cristãs; é um painel pintado numa parede e concluído em 1498; é um afresco.

Ludovico Sforza, Il Moro, duque de Milão, alguns anos antes, mandou construir um monastério para que também servisse de jazigo para sepultar seus familiares. Os monges deram a ele o nome de Monastério de Santa Maria Delle Grazie. Como era habito e costume suas paredes deveriam ser cobertas com afrescos que representassem situações e episódios contidos na Bíblia. Assim Leonardo Da Vinci foi contratado para pintar uma das paredes do refeitório. Num espaço enorme Da Vinci reproduziu, em 5 metros de largura por 9 de altura, a sua maneira, e, naturalmente, no refeitório de um monastério, como teria sido a última refeição de Jesus com seus apóstolos em Jerusalém. Para isso usou pigmentos misturados com gemas de ovos e óleo ao reboco úmido da parede. Assim pintou uma parte da obra mas também usou em outra a técnica da têmpera que, naquela época, era a mistura de pigmentos de terra com cola,ovos com clara e gema,leite e água. Essa técnica mista, óleo e têmpera, foi aplicada sobre uma camada de gesso preparada no reboco da parede. A obra de Da Vinci vem sendo restaurada permanentemente, embora muitas delas tenham sido mal realizadas, uma vez que as condições de clima da cidade e a umidade das paredes do monastério diluem as tintas do afresco.

A Última Ceia, pintada por Leonardo Da Vinci, é considerada pela maioria dos cristãos como uma obra sacra a ser reverenciada e para reflexão religiosa. É, por isso, única entre tantas outras representações da última ceia que não convidam a esse fervor religioso, como por exemplo o quadro pintado por Jacopo Bossano uns 50 anos depois. Nele há um cachorro deitado sob a mesa e Jesus está debruçado à esquerda com a cabeça caída e apoiada sobre a mão. De olhos fechados, com muito pão e vinho sobre a mesa, parece estar adormecido. Na década dos anos 50 do século passado, Salvador Dali pintou a última ceia de acordo com sua visão surrealista. Nela Jesus é louro e tem cabelos ralos embora compridos e não aparecem os rostos de nenhum dos apóstolos.

Na obra de Da Vinci, porém, há um detalhe quase imperceptível. Está sobre a toalha, bem a frente de Jesus, disfarçado pelas manchas e sombras de tons claros e escuros. É a parte de cima de uma porta que foi aberta para dar passagem do refeitório do monastério para uma outra dependência. Os monges não exitaram em desfigurar o painel que viria a ser reconhecido como a obra prima de um gênio renascentista. A representação da Última Ceia, afresco do refeitório de um monastério da renascença, era apenas um enfeite na parede cuja função era dar maior dimensão ao local com a perspectiva das paredes e do teto da pintura se projetando para além da mesa onde estão Jesus e os apóstolos. A ceia que Jesus comeu com os apóstolos, na noite de uma quinta-feira em Jerusalém, no cômodo superior de uma casa comum, foi bem mais simples. Não havia paredes com grandes janelas, nem teto suntuoso, nem a mesa de banquete, nem as cadeiras. Mas, sim, apenas um tapete e algumas almofadas, como era o costume; e sobre eles comeram a ceia do Pessach, a páscoa dos judeus. A Última Ceia pintada por Da Vinci, é somente a obra prima de um gênio; é apenas sua visão renascentista de um episódio bíblico.

CESAR CABRAL
Enviado por CESAR CABRAL em 26/10/2007
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