AFETAÇÕES DA MORTE

Numa espantosa evolução no espaço, mais rápido que o recomendável ao bom senso, a morte entrou pela janela da sala.

Numa sala cheia de quinquilharias cafonas, percebe-se que sentimentos e bom gosto não servem ao mesmo senhor. Assim como era cafona também toda aquela situação constrangedora, onde um senhor recurvado tentava alcançar as chaves que haviam caído.

A morte observava aquela posição deselegante, como quem gostaria de ter outra função, que não esperar o descuido ou a hora marcada. Mas todos, de certa forma, resignam-se em seus papéis, e filosofia deveria ser algo apenas para viventes. Esses que tentam dar um certo verniz de grandiosidade a uma passagem modesta por esse mundo.

O senhor, em posição curvada, finalmente se desequilibrou, deu com a cabeça numa mesa de péssimo gosto e imediatamente, a morte recolheu a alma. Colocou-a em uma espécie de alforje e dali saiu como entrou. Não sem antes ouvir a gritaria que toma conta dos que ficam. As pessoas se apegam demais umas às outras. Isso é bastante inconveniente.

Fez-se tarde e antes que um olho humano piscasse, estava a morte num beco escuro, esperando que a trajetória da bala penetrasse no peito da mulher que entrou no lugar errado. Era o mesmo de sempre. Bala perdida, com destino certo. Tudo como um relógio. Tudo especialmente maçante.

Em instantes, a morte seria requisitada na queda. Porque não tolerando a própria vida, o jovem decide ser de bom tom se atirar do vigésimo oitavo andar. Faria uma considerável mancha de sangue na calçada. E alí estava a morte, entre o décimo e o nono andar para que o infeliz se retirasse desse mundo antes que virasse uma maçaroca intolerável de ossos e carne.

E assim, veio o amanhecer. Mortes eram muitas e todas, uma só. Partiu a morte desse dia para algum lugar que eu desconheço e outra, tomou seu lugar .A cada dia, a sua morte. Para a que veio hoje, há tanta alma a ser colhida, que é inevitável uma certa irritação misturada a inquietude. Mas alguém de gosto bastante peculiar desenhou esta forma de rir do mundo. E certamente, alguém deve estar se divertindo imensamente nesse momento.

EDUARDO PAIXÃO
Enviado por EDUARDO PAIXÃO em 08/11/2020
Código do texto: T7107161
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