Eco oco ou Ecce Homo

Quando o vazio começou? Era como se não houvesse vento. Tudo imóvel, estagnado. Um silêncio estrondoso. Pensava, pensava, mas não conseguia saber o início desta estranha vida que levava. O isolamento e a solidão pareciam ter ocupado todos os espaços. Curioso, pois era o desejava no começo de tudo. Agora, relutante, não sabia mais as horas, nem os dias. Às vezes, escutava alguns barulhos e bichos. Nada digno de nota. Às vezes, sonhava, mas esquecia de anotar. Havia dias com chuvas, noutros sol, como em quase todos os lugares. Preferia os dias nublados, pareciam condizentes com o que vivia. Deixou de trocar de roupas, lavar as mãos e olhar no espelho. Virou um estranho, se tornou Gregor Samsa. Depois de um dia inteiro, achou que ser um inseto era pouco inspirador, pois tinha espaço, tempo e paz. Melhor teria sido se transformar em qualquer outro personagem de ficção, assim, saberia seu fim. Passava dias na cama, ria de si, chorava consigo. Escrevia roteiros inacabados. Nunca lia o que escrevia. Achava que revisar poderia causar mal presságio aos seus originais. Sabia que era um escritor medíocre. Por isso, evitava ler qualquer coisa de sua autoria. Defendia teses fantásticas das quais nunca se convencia. E, por mais que tentasse esconder, aquele vazio estava presente. Preenchia tudo. Possivelmente, um grande paradoxo: o vazio da vida. Nunca foi para guerra ou coisa parecida. Embora, fosse perito em filmes. Nunca passou fome, contudo, fazia regime. Nunca foi preso em flagrante, mas tinha seguro de vida. Ele começava a desconfiar de sua memória. Miudezas do dia a dia iam sumindo. Colheres, paliteiros, lápis, borracha...Tudo, até a pequena gatinha malhada que vivia em sua companhia. As palavras escapavam. Ele não tinha tempo para se despedir. Elas sumiam sem dizer adeus. Talvez por isso não sabia quando começou o vazio. Viver naquele corpo parecia ter deixado tudo oco. Socorro! Foi a última coisa que conseguiu dizer enquanto ainda lembrava como falar. Depois só restou o eco...eco...eco...