O que dizer aos filhos de João Alberto Freitas?

Diante da barbárie perpetrada por dois homens (homens?) brancos no Carrefour de Porto Alegre, eu me pergunto: o que dizer aos quatro filhos de João Alberto?

Eu não consigo imaginar o olhar de cada um deles, o que passa em seus corações, as dúvidas em relação à vida, ao cotidiano, dúvidas em relação ao futuro. E se os amigos quiserem falar sobre isso? E se aparecer aquele outro, sádico como os torturadores, e dizer: “eu vi o vídeo do teu pai apanhando até morrer, os caras bateram assim e assim”. Penso que o João Alberto ainda tivesse mãe. Impossível dizer o que uma mãe sentiria num caso assim. “Mães só são menores que Deus”, diria Mário Quintana.

E outra: será que aqueles dois fulanos torturadores têm filhos? Será que esses supostos rebentos se orgulhariam das suas origens? E mães, eles as têm? Será que as mesmas não pensaram em bem educar suas crias, respeitando o próximo e tendo alguma compaixão? Nada? Nada mesmo?

Onde ficamos no meio dessa tragédia sem fim?

O que tudo isso nos convida? Quando haveremos de aprender alguma coisa, a ter empatia, a valorizar a vida, a respeitar os nossos iguais? Sim, iguais. Isso tem que ser trabalhado, pensado e repensado, tem que passar pelo coração e ficar lá, firme e decidido.

A minha indignação e dor imensa me levam a mais compromissos. Compromisso com a justiça, com o direito, com o sensível, o sensato.

A dor sozinha não resolve, não faz a história andar. É preciso indignação com ação. Agora. AGORA.

E a ação envolve todas as questões: o não aceitar uma piada racista, o deboche gratuito, o olhar desconfiado, além do questionamento atento a qualquer conversa que envolva menosprezo ao negro e negra em qualquer situação.

Rezei com fervor para que Nossa Senhora acolha amorosamente a alma de João Alberto. E vou continuar rezando para os seus familiares.

Abraço à distância com muita solidariedade os seus filhos e demais familiares. Mas não resolve. Nada resolve nesse momento, pois a dor é infinita. Dor pela partida, pela forma com que se deu essa partida e suas razões. Indignação, revolta, medo, luto. Tudo junto, mas com a cara amargurada da dor que vai ficar, que não terá resposta ou solução. Dor gerada num país em que a insanidade tomou sua mais nefasta forma.

As respostas não podem ser curtas e passageiras.

Sempre combati o racismo, mas sei que foi pouco. Tudo é pouco dentro de uma sociedade mergulhada no conservadorismo obtuso e que resiste, em grande parte, a colocar óculos limpos e com lentes precisas.

Mais que nunca é preciso construir um país. Com o trabalho de definir e agir com responsabilidade, denodo, respeito e cuidado.

Que Deus te abençoe, João Alberto. Que Deus abençoe seus familiares e amigos.

Siga em paz porque o assassino não foi você.

E que a vida – essa e as futuras – se encarreguem dos seus algozes.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 21/11/2020
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