Fazenda da Piúxa
 
Vi a foto de uma fazenda em um grupo da rede social. Aquilo mexeu com minha memória. Era similar a fazenda que eu fora visitar lá na década de 1970. A foto era um retrato de uma pintura que representava uma de muitas fazendas leiteiras do período histórico de Minas Gerais. A foto da pintura trazia o seguinte por nota explicativa: “EX FAZENDA SANTA CRUZ Japão Sta Bárbara do Tugúrio. Pintor desconhecido. FOTO de Aline Amaral” (sic.).
 
Parecia a fazenda da Piúxa, mas bem que podia ser a tal. A razão se dá pelo fato de Santa Bárbara do Tugúrio ser município de familiares de minha avó materna. Piúxa, não sei se grafa mesmo com X ou com CH, era prima de minha avó Augusta Odorica, que casara com Silvério Augusto de Melo Júnior.
 
Em Minas, quase exclusivamente, parente casa com parente. E assim a sobrinha de minha mãe casara com  um primo, sobrinho neto de minha avó. Era o filho da Piúxa. Houve, após semanas do casamento, uma comitiva para visitar a Liloca, que fora morar em casa situada  na fazenda da sogra e tia-avó. A Piúxa. Curiosos são os apelidos e alcunhas. Estranhos, mas afetuosos.
 
Para chegar na tal fazenda tinha que passar por uma ponte que a enchente daquele ano havia levado. Tivemos que seguir a pé atravessando tábuas (pinguelas) colocadas sobre o largo e volumoso rio. Era um teste ao equilíbrio e um voto à sorte. Finalmente chegamos à fazenda. Eu um garoto de uns 13, 14 anos fiquei imaginando como seria o retorno projetado para o fim da tarde.
 
Impressionou-me mais ainda a fazenda. O acesso se dava por escadaria feita de pedra-sabão que faz jus ao nome por ser tremendamente escorregadia. Vencida a escalada de degraus entrava-se na parte social da casa composta de salas que acessavam a cozinha de onde saía em um pátio pavimentado. Do  lado oposto situavam  janelas de inúmeros quartos. O conjunto arquitetônico formava, tendo o tal pátio no centro, um quadrilátero fechado onde era a antiga senzala.  A impressão foi arrematada com aquilo que estava no epicentro do pátio ladrilhado: o tronco de castigo a chibatadas. Ficava claro que na escravatura todos tinham que, se não ver, ao menos escutar o estalo do chicote. Nunca esqueci o que eu vira e que fora recalcado pela imaginação do suplício. A visão do tremendo fizera por um pouco eu esquecer o retorno sobre o esqueleto da velha ponte.
 
Da fazenda seguimos para a casinha onde os primos nubentes moravam. Ali passamos a tarde com merenda oferecida e tivemos que ficar para jantar. Havia galinha e palmito colhido na mata. A predileção culinária de minha mãe.
 
A volta foi no escuro com o estrondo tremendo das águas daquele rio sob a ponte destroçada pela enchente.
 
Deixamos para trás os fantasmas daqueles negros que arderam para construir riquezas alheias em uma história de terror e rudeza dos dominantes.
 
E neste mês de CONSCIÊNCIA NEGRA uma pergunta poética me assaltou:
Quantos olhos pretos lacrimejaram, peles negras feridas, que fizeram o alicerce de olhos azuis, verdes, castanhos, a pele clara, rosada, ou empardecida metida à branca?
 
Cinquenta anos se passaram desde que as assombrações históricas me assaltaram de chofre e nunca pude deixar de esquecer. Que, oxalá, o futuro diminua as desigualdades sociais e que a justiça se faça ainda tomando  a Consciência Negra para nossa catarse. Negar só aprofunda mais esta neurose no inconsciente de nosso contexto histórico.
 
*Na Foto EX.FAZENDA SANTA CRUZ Japão Sta Bárbara do Tugúrio. Pintor desconhecito. FOTO de Aline Amara (Sic.)
 
Leonardo Lisbôa
Barbacena, 20/11/2020
 
 
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Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 28/11/2020
Reeditado em 28/11/2020
Código do texto: T7122358
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