A PESCARIA DE JARAQUI COM REDE COMPRIDA NO LAGO DE TEFÉ

A PESCARIA DE JARAQUI COM REDE COMPRIDA NO LAGO DE TEFÉ

Jaraqui-escama-grossa e jaraqui-escama-fina

Autor: Moyses Laredo

Em Tefé, cidade do médio Amazonas, localizado no rio Solimões entre o Lago de Mamiá e o Lago de Coari, localiza-se cerca de 500 Km a oeste de Manaus, tem sua história ligada aos índios Catuxy, Jurimauas, Passés, Irijus, Jumas, Purus, Solimões, Uaiupis, Uamanis e Uaupés. Do lago, se originou a Cidade de Coari, que possui uma grande diversidade de peixes que são preservados para o consumo das comunidades que lá habitam, os pescadores locais, pescam apenas para o próprio consumo, ou vendem os excedentes aos barcos que lá aportam, mas, não é permitindo que barcos pesqueiros adentrem à reserva.

O relato abaixo, conta uma pescaria de jaraquis com rede comprida, feita por moradores locais, todos os pescadores com a mesma preocupação, não pegar peixes ovados, por conta da época de reprodução, não é permitido a pesca nos locais de desova. O interessante é que, a população pesqueira da região conhece as leis e as respeitam, porque assim, preservam o manancial para suas sobrevivências e de seus filhos e netos.

Os preparativos para a pescaria se dão ainda na beirada da praia, lá é estabelecido a função de cada um dos pescadores, no caso, a equipe já participam a algum tempo juntos, portanto, todos sabem exatamente o que fazer. A rede é colocada em duas canoas, sendo que, cada uma, mantém uma das extremidade presa, de modo que, no momento exato da pesca, as duas se separam e abrem um grande círculo, e assim, lançam a rede no rio, para cercar o cardume, não esquecem também, de levar uma vara bem comprida para espantar os botos, que atacam o cardume já preso na rede, causando grandes baixas, que para se livrar do cerco, eles rompem a rede e causam grandes furos, pois mesmo aprisionados, sabem que podem escapar quando bem lhes aprouverem.

Os pescadores remam pela ilharga do lago, à procura dos cardumes, que só abandonam as raízes da mata alagada, somente quando chove forte, para desovar, formando grandes cardumes, e é exatamente nesse momento que, os pescadores amazônidas, conhecedores dos mistérios da natureza, aguardam o momento certo para lançar a rede. Só que tem um detalhe, nunca lançam na zona da desova. Em outros casos, quando não conseguem ver nenhum indícios do cardume, em que, na maioria das vezes é notado ao longe, pelo crepitar das ondas que provocam nas águas, iguais a 100 jacarés no cio, com vários deles saltando, numa dança frenética, em fuga dos ataques dos botos, tucunarés, traíras e outros predadores, só então, que usam, como último recurso, mergulhar para tentar ouvir o estrugir dos jaraquis, e lá no fundo do rio, em completo silêncio, conseguem auscultar o ruído característico que fazem os jaraquis quando estão em cardume, desse modo, podem indicar se estão na área e em qual direção provavelmente devam seguir, com a experiência de anos na Amazônia pescando, localizam a direção do provável cardume até com certa facilidade. Sabe-se pela física, que a velocidade do som se propaga na água, mais de quatro vezes do que no ar, qualquer ruído, fica ampliado, até mesmo um barco que passa ao longe, se consegue ouvi-lo com bastante nitidez, ao se mergulhar.

Avistado ou auscultado o cardume, os pescadores partem para uma cuidadosa e lenta aproximação, em total silêncio, até falar é proibido, a fim de não os espantar. O proeiro (o que vai sentado na proa) segue orientando as canoas que vão juntinhas na direção indicada, usando seu remo como leme, segue lentamente em direção ao suposto cardume, um dos pescadores cuida das canoas para que elas não se choquem, assim, não provocam barulhos, principalmente com o balanço das ondas, só isso, já espantaria os cardumes, que são por natureza, muitíssimos ariscos e a qualquer ruído, partem em disparada para o abrigo natural das árvores da floresta inundada, onde se criaram e, conhecem como ninguém, os escaninhos das veredas das raízes submarinas. Algumas vezes os botos fazem a festa, quando chegam primeiro e melam a pescaria, mas, como a quantidade de peixes é formidável, sempre sobra, em abundância, para os pescadores. Uma vez próximo do cardume, separam-se as canoas, ao mesmo tempo em que soltam a rede na água, cada uma das canoas, mantém fixa uma das extremidades da rede, descrevem um semicírculo para fechar o cerco mais adiante, e quando se encontram e passam uma pela outra, nesse ponto, é quando um dos pescadores cai n’água e fica fazendo batição, espantando o cardume para o fundo do cerco da rede, a fim de que não passem pela abertura que resta entre as canoas. Em seguida, os peixes quando se sentem acuados, começa o frenesi pela liberdade, dão cada saltos fora d’água que ultrapassa a dois metros de altura, alguns, saem com facilidade do limite da rede, retornando para o rio, mas, a maioria é aprisionada e trazida lentamente para as canoas, que sincronizam o puxamento da rede, uns pegam na linhada da chumbada, e outros, na linhada das boias, desse modo vai formando uma espécie de sacola na rede e evita ao máximo que haja a fuga dos peixes. Quando finalmente são postos nas canoas, há a imediata seleção, todos se juntam para identificar as fêmeas ovadas, os peixes miúdos, ou, os que não interessa, e são arremessados de volta ao rio imediatamente, os demais, em tamanho de pesca, são mantidos na canoa para depois serem divididos entre os pescadores igualitariamente.

O interessante é a distinção que fazem quanto às espécies de jaraquis, existem duas: o Semaprochilodus taeniurus e o Semaprochilodus insignis, respectivamente conhecidos como jaraqui-escama-fina e os jaraqui-escama-grossa. Poucas pessoas, que apreciam essa especiaria amazônida, conhecem essa particularidade, os nativos pescadores, dão mais valor para os jaraquis de escamas grossas, dizem ser mais saborosos, já os jaraquis de escamas finas, são postos para venda. De fato, se comparados, possuem alguma diferença morfológicas entre si, os jaraqui-escama-grossa possuem a cabeça mais curta e arredondadas, enquanto os jaraqui-escamas-finas, são mais alongadas, contudo, no que respeita ao paladar, dificilmente consegue-se distinguir qual das duas espécies é a melhor.

De volta à praia, fazem a separação equitativa aos membros pescadores, cada um sai com suas sacolinhas, levando o produto da pesca do dia.

Molar
Enviado por Molar em 29/11/2020
Código do texto: T7123701
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