Um natal bem diferente

Eu sempre amei o natal. Para mim, essa é a melhor época do ano. Tempo de reflexão, de olharmos para si mesmos e nos reavaliarmos enquanto pessoas, o que fizemos de certo e errado durante o ano, enfim... Faltavam dez minutos para meia noite e finalmente iniciarmos a ceia com tudo que temos direito: um peru (ou talvez frango) pequeno assado com batatas, sidra das mais baratas, arroz à grega sem uvas-passas, saladinha com poucos legumes e um tender.

Esse ano precisei economizar ao máximo para a ceia porque tudo está muito caro, diferentemente de anos anteriores, em que comprava tudo do bom e do melhor.

Sentei-me à mesa e me servi de um pedaço do peru com uma generosa porção de arroz, fiz uma oração em agradecimento por tudo que passei esse ano e pedi bênçãos e muita energia positiva pelo próximo que chega. Apenas meu filho me fazia companhia nessa noite que já foi mais feliz em anos de outrora, mas que nesse, infelizmente não posso dizer o mesmo, apesar de estarmos com saúde.

Peguei o ring-light e o posicionei na mesa, conectei o celular e fiz uma chamada de vídeo para minha família que não vejo presencialmente a seis meses. O contexto desse natal é de alegria e comemoração para uns e muita angustia e sofrimento para outros. O ano, por si só, com todos os eventos que ocorreram, desde pandemia da Covid-19 até as milhares de vítimas fatais no país, o desemprego latente e um governo irresponsável e omisso com tudo isso, só nos resta mesmo agradecer a Deus por estarmos vivos, por que de resto...

Quando mamãe começou a falar do outro lado da tela, comecei a chorar junto com ela. Meu filho também foi aos prantos de tanta saudade. Dona Rosa tem 81 anos, é hipertensa e tem problemas cardíacos, portanto, é pessoa de risco e não pode nem sonhar em pegar essa doença maldita. Minha irmã mais nova, Sofia, e meu pai, Reginaldo, também falaram uns minutos e mandaram beijos para Guilherme, meu filho.

Trabalho num hospital como médica e, por sorte, hoje foi minha folga. Estou exausta. Cansada ao extremo. É difícil ver tantas pessoas dando entrada com Covid e não ter leitos e UTIs para todos, ver tanta gente morrendo a espera de um respirador... só espero que tenha logo uma vacina e acabe com esse pesadelo que roubou nossos sonhos.

No momento da vídeo-chamada, estou de máscara para dar o exemplo para meus familiares, que devem usá-la mesmo dentro de casa. Esse ano, enviei todos os presentes pelo Correios. Eu e Guilherme decoramos a árvore de natal. As luzes piscam radiante ao fundo. Quando íamos nos despedir, mamãe solta um sonoro: “Fique bem, minha filha. Que Deus te acompanhe sempre”!

A frase só serviu para me fazer chorar a noite toda, e nem por isso deixei de ter um dos melhores natais da vida.

Fim