Minha história / Minha raiz - por Raul Franco

Sim, às vezes (a maioria das vezes), é preciso olhar para o retrovisor, entender de onde viemos e potencializar o que somos no presente. Pertencimento e acolhimento, eis palavras urgentes e necessárias.

Quando mais jovem, eu imaginava a vida como uma imensa régua. Cada centímetro era como um ano de vida, um degrau de existência. Então, em 1993, eu escrevi algo que me colocava nessa ideia de ter 19 centímetros de vida. E essa imagem era mágica pra mim.

Pois bem, hoje eu tenho 46 centímetros de vida. E olho pra trás com orgulho, abraçando a minha história e me acolhendo, entendendo cada processo meu.

Sou de Belém do Pará e, apesar de tudo, continuo sendo um garoto da Batista Campos. Um menino de cueca vermelha, correndo pelo pátio de casa. Sonhando, imaginando a vida como um parque de diversões.

Sempre amei a companhia dos livros. Os “amigos” mais recomendáveis para um garoto introvertido como eu. Lembro, inclusive, do primeiro livro que ganhei na vida, “Aprenda a desenhar”. Meu pai que me deu ao voltar de uma livraria de onde trouxe muitos livros. Eu me recordo de vê-lo montando a estante. Acho que tínhamos acabado de nos mudar para uma casinha bem pequenina, mas que tinha muito amor. E essa estante me acompanhou ao longo de toda minha vida. Ah, um detalhe: este livro que ganhei eu tenho até hoje. E é o meu talismã para a vida.

Eu falava da doce estante que ficava no fim do corredor dos apartamentos que eu morei. E eu usava um método pouco ortodoxo para escolher os livros. Como eu tinha uns dardos, eu os lançava de longe na direção da estante e onde ele “espetava”, seria o livro que eu ia ler naquele momento. (rsrsrs). Assim li Epístolas e Baladas, de João de Jesus Paes Loureiro (esse título me causava extrema curiosidade, até porque eu lia “epistolas” sem o acento agudo), Gil Vicente e um livro escrito por prisioneiros de uma prisão do Uruguai. Acho que o título era “Grito calado atrás das grades”.

Enfim, muita literatura fez parte da minha vida. Aos 15, li Clarice Lispector e aquilo foi impactante na minha vida. E anos depois tive essa mesma sensação de sentir minha alma roubada ao ler Caio Fernando Abreu. Não à toa estes são os meus dois escritores favoritos. Antes de tudo isso, li muito Drummond, Vinícius de Moraes, Castro Alves, Álvares de Azevedo e Augusto dos Anjos. Eu os achava poetas geniais, mas nem me imaginava fazer o que eles faziam, porque, para mim, era algo muito difícil. Até que aos dez anos conheci Paulo Leminski e vi que a poesia poderia ter algum deboche. Quando vi Leminski usar letras minúsculas em tudo, colocar a palavra limonada em um poema inusitado, apaixonei-me e comecei a me arriscar nos poemas. Aos 11 escrevi o primeiro, com início, meio e fim, ao ouvir um disco da Fafá de Belém, chamado Banho de Cheiro, que tinha letras de Ruy Barata musicadas pelo seu filho Paulo André Barata.

Esse começão pra mim é inesquecível. Eu sei que se deixar eu escrever mais sobre isso, vou a fundo mesmo. Mas vamos focar nos pontos, talvez, mais importantes.

Bom, paralelo às leituras profundas dos autores que eu amava, segui fazendo teatro. A palavra sempre me fascinava (tanto que vou focar nela, senão já seguiria falando sobre minha vida no teatro). Aos 14, escrevi minhas duas primeiras peças: “Meu caso de amor com o Xuxão” e “Mulher Consumida”. E ver os meus textos sendo feitos por amigos da escola foi muito prazeroso.

Então, segui lendo e escrevendo. E me encontrei no humor, quando li Luís Fernando Veríssimo. Pra ser exato um livro - que era uma coletânea de textos - chamado “O rei do rock”. Eu tenho esse livro até hoje. O que me marcou no meu começo de vida, gosto de ter perto. E cheguei a fazer uma adaptação para o teatro do texto-título. Mas nunca encenei.

Aos 17, 18 centímetros de vida, temos que decidir o que vamos ser quando crescermos, né? Eu mal sabia o que escolheria. Até que me veio a ideia de escolher algum curso intelectualizante, como filosofia ou Ciência Sociais. Optei pela segundo. E passei em quinto lugar no vestibular. E segui rigorosamente estudando durante 4 anos. Logo me apaixonei por Antropologia e fui monitor por dois anos. E escrevi textos teatrais com temáticas antropológicas. Ao fim do curso, eu já com 22 centímetros de vida, lancei meu primeiro livro de poemas: Cicatrizes. Encenava também minha terceira peça com o famoso grupo Experiência em Belém do Pará. Vários sonhos realizados. Foi, então, que decidi vir morar no Rio de Janeiro.

------

Aí já são 23 centímetros de história… longa, intensa, emocionante, pulsante, maravilhosa, triste, alegre, prazerosa e dolorosa… E isso fica para um próximo capítulo da série da minha vida.

Chegaram até aqui, pelo menos?

Raul Franco
Enviado por Raul Franco em 14/12/2020
Código do texto: T7135702
Classificação de conteúdo: seguro