Indiferença

Coisa ruim é a indiferença. Já dizia os versos do compositor tremendão, numa música esquecida da jovem guarda, que “falem bem ou mal, mas falem de mim”. O que vale é ser lembrado. Da minha adolescência trago a lembrança de um livro em que um dos personagens falava sobre matar alguém. Mas não se referia ao matar de tirar a vida. Era aquela morte em que se vai esquecendo aos poucos da pessoa, tirando-a da memória e, de repente, já nem se lembra mais dela: morreu!

Assim acontece nos nossos relacionamentos em geral, não se restringindo apenas aos amorosos. Por mais fortes que tenham sido as relações de amizade, quando algum desencanto acontece a mágoa que fica leva a esse assassinato, pela indiferença. Uma amiga retrata com precisão cirúrgica a forma como, para ela, se dá esse processo: no primeiro dia chora até se descabelar, no segundo ainda chora muito, mas já não se descabela tanto, e do terceiro dia em diante inicia-se o processo rumo a uma nova vida, sem a presença da pessoa, tornando-se indiferente a ela.

A grande contradição que vejo em tudo isso é que as pessoas, em geral, fazem de tudo para não serem tratadas com indiferença, mas nem sempre agem de maneira a não se mostrarem indiferentes às outras.

Explico melhor exemplificando com uma situação que há muito me incomoda. De acordo com as normas internacionais de segurança, há a obrigatoriedade, em todos os voos, da demonstração dos procedimentos básicos para que as pessoas saibam como agir em caso de algum problema na viagem. É claro que todos que ali estão torcem para que nada aconteça, e que tudo aquilo que está sendo demonstrado não passe apenas de um ato rotineiro. Até aí tudo bem; isso é o que todos desejam. Mas observe em seu próximo voo quantas pessoas pelo menos dirigem o olhar para os (as) comissários (as) de bordo que fazem a demonstração daqueles procedimentos de segurança. É bem provável que a negação (tentativa de não aceitar na consciência algum fato que perturba o Ego), um dos mecanismos de defesa propostos por Freud, explique esses comportamentos. Mas além deles, que são inconscientes, vejo também uma indiferença muito grande com o trabalho de profissionais que ali estão desempenhando o seu papel, que para mim, beira à falta de educação. Aqui basta fazer um simples exercício de empatia: colocar-se no lugar do outro. Imagine-se falando para um grupo de pessoas e a maioria delas mais interessadas em ler um jornal ou revista. Como você se sentiria? É claro que isso incomoda.

A prova maior disso eu obtive numa viagem em que a comissária de bordo, após a realização do seu trabalho, dirigiu-se a mim com um sorriso para agradecer pela atenção que tive aos seus movimentos explicativos sobre as recomendações que deveria obedecer em caso de algum problema no voo.

Outro poeta, o conterrâneo Chico César, sintetizou numa bela canção, que até virou tema de novela, a sua visão sobre o tema: se você olha pra mim, e me dá atenção, eu me derreto suave, neve no vulcão... Não poderia ser melhor.

Fleal
Enviado por Fleal em 15/12/2020
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