CONSIDERAÇÕES SOBRE A BOÇALIDADE

Noite tépida, noite de sem ventos, de sem expectativas na semana passada. Um morno jogava na nossa cara o verão colatinense de lascar, ainda em outubro. Vontade de tragar um chope, ou uns chopes – sabe, daqueles. Duas ligações no celular para tirar o deserto de estar só na noite e também para que a bebida, que deveria ser prodigamente gelada, fosse acompanhada de amena prosa. 20h30, como combinado, estávamos lá.

Eu não tenho muita certeza a respeito disso, como também não tenho certeza a respeito de nada, mas os atendentes, em qualquer bar aqui nesta cidade, parecem fazer corpo mole para os clientes. Parecem desinteressados, ensimesmados, caras de broas. Olham-nos, quando muito, com a desimportância que se faz para o número zero à esquerda. Às vezes jogam um "boa noite" à mesa, como fazem com o cardápio – soltam, deixam cair, à bangu. Não era bem isso que eu percebia em outras cidades – Não, não estou fazendo críticas gratuitas. Também não estou fazendo críticas a soldo ou a gorjetas, e tampouco estou embriagado. É que a verdade nem sempre se põe em vestes elegantes, apesar de seu conteúdo ser sempre melhor que a mentira.

DP e SG são meus amigos de muitas histórias, também de muitos dias e de tantas outras noites de barzinhos. Comunhão. Com SG não comungava da mesma paixão clubista, e como o mar não estava para almirante, melhor era arrumar logo um assunto atraente, que esvaziasse qualquer menção a Vasco ou Flamengo. Falar de gente. Nada mais atraente do que falar de gente, embora nem sempre elegante. E havia muitos divórcios iminentes e comentáveis. De A a Z, se quisesse. Havia tantos casamentos falidos que se arrastavam entre quatro paredes. Tantos casamentos que se abafavam em árida solidão. Mas é muito fácil falar de gente em dores emocionais, difícil é estender a mão, difícil é olhar para os outros sem a obliteração das trevas do egoísmo. Difícil é sentir a extensão da dor do outro...

Servi-lhes, então, – sem não antes molhar a palavra com voluptuoso trago – de uma notícia que de certo estaria bem como aperitivo para os ouvidos e para o coração. Contei que lera sobre uma pesquisa que dava conta que a espécie humana atingiria seu apogeu por volta do ano 3.000, e não era uma pesquisa de butiquim, fora feita pelo centro de estudos da evolução da London School of Economics, sob encomenda para o canal Bravo, da TV britânica - Diante da boa receptividade ao assunto, continuei após mais um trago – Na alvorada do próximo milênio, os seres humanos terão entre 1,80 m e 2,10 m de altura, viverão 120 anos, serão belos, esbeltos, morenos e – informação que não poderia faltar numa pesquisa encomendada por um canal masculino – os homens terão pênis maiores. Os seios das mulheres também se beneficiarão – SG interpelou dizendo que 1,86 m já tinha - Então lhe disse que no caso dele, no futuro, considerando proporcionalmente, teria os dois e dez de altura - agora quanto a outras medidas máximas, talvez não fosse se beneficiar. Ele riu um pouco e disse que eu estava bebendo muito rápido, que iria pedir ao garçom para cortar a bebida. Então eu é que ri muito.

DP manteve-se tocado por um silêncio circunspeto por tempo de mais uma garrafa e meia - silêncio que lhe valeu, depois que desvendei o motivo – mais admiração e orgulho por sua amizade. Para tirá-lo daquela calada absoluta, indaguei, sem não buscar o auxílio do humor: "conversa que você não conhece melhor calar, DP?"

Ele contou que pensava nessa idéia da evolução física realmente fascinante. Mas também tinha lido que a humanidade dera um salto longo em termos de tecnologia, em ínfimo tempo. O homem, se considerássemos o vastíssimo tempo de existência de vida no planeta, poderia-se dizer que havíamos descidos das árvores e saído das selvas há poucas horas. Que o homem ainda trazia em si a selvageria e o descontrole de um bicho. De um bicho que aliava sua inteligência a desejos que ele mesmo criava – o homem criava fomes que os bichos de verdade não sentiam. O homem hoje é uma besta que tem sob seus dedos da mão, botões que se clicar, poderia destruir o mundo... Por fim, um tanto desolado, concluiu com a pergunta "Será que mil anos seriam suficientes para que, além de dotar a humanidade de físico maravilhoso, libertá-lo de tanta boçalidade?".

Vai saber!

Não havia muito a brindar naquela noite. Não havia muito a comemorar, a não ser a amizade, e isso já era bastante. Estava bem, pelo menos ali e naquele instante, ninguém nos havia servido leite longa vida adulterado com substâncias químicas perigosas, ou colocado uma boca de fogo, ou trabuco, como queiram, na nossa cara e dito: "quietinhos aí seus filósofos de boteco de merdas, é um assalto, vocês perderam".

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Joel Rogerio
Enviado por Joel Rogerio em 28/10/2007
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