Anjos em Miami

       Foi um tempo que desejei esquecer, embora minha vida se divida em “antes e depois” de morar nos States. Que choque cultural imenso!
       Fevereiro,1990. Eu tinha solicitado ao banco licença sem vencimento. Destino: Miami, Estados Unidos. Tudo acertado aqui no Brasil, as coisas devidamente encaminhadas, num avião da Transbrasil voei para aquele mundo. Eu e mais milhares de brasileiros sedentos de uma vida melhor. Naqueles anos (1990), Miami fervilhava de imigrantes. Todos ansiosos por uma vida nova... Miami era muito atraente, 1º mundo.
       Meses antes, eu tinha sido injustiçada no trabalho. Foi doloroso. Não conseguia atentar sobre o que eu teria feito para merecer um esculacho tão humilhante dos meus superiores. Pensava, até então, que minhas atitudes fossem assertivas. Já no ano anterior eu não tinha conseguido uma promoção por mais que tivesse me dedicado. Ali foi o primeiro choque. A direção da agência trouxe uma funcionária de Taió para me substituir como supervisora. Pedi explicações, quis argumentar, mas nada de obter a simpatia do novo gerente. Logo depois, pedi transferência para outra agência.
       E nisso, decidi viajar. Peguei férias e fui conhecer Miami. Após a empolgante viagem, veio uma vontade louca de me mudar. Muitas dúvidas, mas decidi.
Uma ansiedade sem tamanho tomava conta de mim ao amanhecer e só se abrandava ao dormir, para me sacudir novamente no dia seguinte. Eram assim os dias que antecederam a viagem.
       Dia 28 de fevereiro chegou e mudei de vida radicalmente. Tão logo o avião pousou, dirigi-me a uma pousada em Miami. Naquela ocasião, a dona era brasileira. Alguns brasileiros nessa pousada me informaram o endereço da escola e a quem procurar. Fui logo me inscrevendo para um curso de inglês avançado. Na sala de aula logo reconheci uns brasileiros: um casal de Vitória (ES) e um rapaz de São Paulo, que se assanhou para o meu lado. Eu só queria achar um quarto para alugar.
       Aí aconteceu!
       - Sai! Sai daqui! – gritou Deivid. - Chutando minhas coisas. – Sai, sua lerda! - Foi você que disse que eu podia ficar um mês aqui. E eu te paguei como pediu. – respondi incrédula com a voz embargada. – Fora! Ele gritou de novo, atirando minhas coisas na calçada - Rua! - Comecei a chorar copiosamente. – Eu não tenho para onde ir! – Eu te paguei!!! - Disse-lhe aos prantos. Ele me empurrou na direção da porta e me jogou um cheque. Bateu a porta atrás de mim. Eu, na rua, desolada, 11 horas da noite, em Miami!
       Chorei! Ninguém pela rua, uma dor paralisante! O retrato da humilhação. Sentada numa mala eu só olhava o vazio a minha frente, incrédula por completo. Outras malas minhas e umas tralhas jaziam ao meu lado. As lágrimas rolavam pela face, pelas mãos, pelo corpo. Tudo fora um choque. A falta de vozes amigas no entorno, a total distância de afetos, a rudeza e frieza de tudo em volta, que pesadelo! Parecia o fundo da grota escura sem lamparinas, nenhum lampejo de luz.
       Uma senhora veio até a mim, falava minha língua. Nordestina, casada com um português tinha ouvido meu desespero. E desceu de camisola, veio me acudir. Meu corpo sacudia compulsivamente. Por não compreender bem a língua inglesa, me sentia sozinha perdida num mundo estranho. Sra. Maria pediu que eu me acalmasse. Foi falar com seu esposo. Ela me inspirou confiança. 
O marido dela, Sr. Manoel de Portugal, veio até a mim depois que ouviu a esposa. Afirmou que me levaria para onde eu pudesse repousar. Colocou minhas coisas rapidamente no Jeep e solicitou que me acomodasse. Deu partida e eu comecei a lhe contar o ocorrido. “Não precisa se explicar” ele falou e repetiu. Seguimos em silêncio até a av.Lincoln Road, 888, no sul de Miami Beach. Quis lhe dar uma gorjeta, cinco dólares, ele meneou a cabeça. Não queria nada. Apenas quis ajudar. Deixou-me no local indicado, a pousada da brasileira. Sou e serei eternamente grata aquele senhor e sua esposa. Esses foram de verdade anjos na minha vida.
       A noite foi longa. Mil palavras são poucas para expressar toda aquela dor. A ausência de um ombro amigo, de meu pai que sempre me apoiava e tanto me amava. Só eu com meu coração rasgado, triturado, sangrando demais.
Esse tal Deivid, um inescrupuloso (só descobri isso mais tarde), que estudava na minha sala tinha me oferecido um quarto para morar com ele e mais duas brasileiras num apartamento perto da escola. Nem pisquei. Aceitei. Era um condomínio de quatro andares. David me cobrou 375 dólares por mês, pois eu não tinha mobília. Tive a força e a sagacidade de exigir o meu dinheiro de volta, pois sequer tinha dormido um dia lá. Ele, um espertalhão, deu-me um cheque no valor escrito errado. Mas assinou.
       Nos dias seguintes, acomodei-me numa quitinete e fui ao banco tentar sacar o dinheiro. Pensei que não me pagariam, pois estava escrito errado. Mas, a assinatura conferia e estávamos nos Estados Unidos da América do Norte. A mulher caixa que me atendeu não fez perguntas e me pagou pelo número escrito 375 dólares. O que certamente o deixou furioso!
       E aguentei lá. Estudava à noite, e trabalhava no restaurante Wendy’s (recepcionista bilingue). Foi o tempo suficiente para retornar e me sentir, apesar de tudo, vencedora. Passaram-se décadas e eu reluto em lembrar daquele triste episódio.

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 Izabella Pavesi
                                                          imagem: internet
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