A Televisão

Até os quatro anos, não me lembro de quase nada visto na televisão. Minha mãe morava com minha vó e família, clima ruim. A partir dos três anos fui morar só com ela e com uma tia que tomava conta de mim numa casinha de fundos, no bairro Tristeza. Minha mãe passava a vida trabalhando por um salário mínimo, as necessidades básicas mal eram atendidas. Lógico, não tínhamos televisão. Mal e porcamente, um rádio que chiava.

Foi num sábado lá por 1977 (lembro porque era o dia da semana que a mãe saía mais cedo do trabalho) que ela chegou. Pequena (devia ser uma 14 polegadas?), em preto-e-branco, mas para mim era um fascínio. A mãe comprou de uma amiga, que morava a dois bairros de distância do nosso. Teve que trazer de ônibus. Lembro que era de tarde, já. Como o domingo de manhã era dedicado às programações infantis, as primeiras coisas que vi foram os anúncios dos desenhos que iriam passar no dia seguinte. Os “Banana Splits” faziam suas peripécias ao som de uma canção alegre. Vários personagens se sucediam. Anos depois, vim saber que eram produções da Hanna-Barbera. Eu não sabia, mas estava assistindo à programação da Globo, retransmitida pela TV Gaúcha.

Chegou o domingo de manhã e sua principal atração: “Os Flintstones”, uma família da Idade da Pedra que convivia com dinossauros e estava sempre metida em confusões. Algo que eu achei fascinante eram as vozes dos desenhos (embora não soubesse na época que eram dublagens produzidas no Brasil). Das marcantes animações dessa época lembro-me de “Pernalonga e sua turma”, “O Pica-pau”, “O Superviralata (Underdog)”, “Mandachuva”, “Scoobye-doo”, “Os super-heróis Marvel”, entre tantos. Mas o que marcou mesmo toda essa fase foi “O Sítio do Pica-pau Amarelo”.

O Sítio era algo mágico. De segunda a sexta, por volta das 17h, eu estava hipnotizado pela telinha vivendo as aventuras de Pedrinho, Narizinho e Emília, a boneca de pano, acompanhados pelo Visconde de Sabugosa, criatura feita a partir de um sabugo de milho, inteligente e sábia. Juntos com a avó, Dona Benta e a Tia Anastácia, enfrentavam a mais ampla gama de aventuras e perigos, a Cuca o principal deles... A Cuca, uma espécie de “jacaroa” de cabelos loiros e grande rabo, que se deslocava com vagar. Todas as crianças, podiam não confessar, mas tinham medo da Cuca. Tinha também o Saci, uma espécie de menino-aparição de uma perna só, com seu gorrinho vermelho e seu cachimbo, que assustava, mas no fundo tinha um bom coração. Em 1984, na Escola Presidente Roosevelt, fui descobrir os livros de Monteiro Lobato que deram origem a tantas maravilhas.

Depois dessa fase nos mudamos várias vezes, mas essa televisão nos acompanhou mais ou menos até 1982, quando eu e minha mãe fomos morar num JK paupérrimo, composto de uma peça que servia de sala e quarto, uma cozinha e um banheiro, todos minúsculos, sem nenhum exagero. Foi quando o aparelho estragou. Vejam, na minha casa quando as coisas estragavam não havia a possibilidade de reposição. Não havia uma reserva, uma economia pra essas eventualidades. A mãe decidiu que só compraria uma televisão nova (o que, na época, era muito caro, ela nunca teria dinheiro) e nunca uma usada (mais acessível), pois tinha medo que estragasse. Bom, ficamos dois anos sem.

Lá por 1984 os patrões dela nos deram uma usada com uma tela um pouco maior que a anterior. Todas os televisores da época ou eram à válvula ou semi-transistorizados, os melhores. Esse nosso novo, à válvula, levava uns cinco minutos para ligar... A partir dessa fase comecei a assistir seriados como “Spektreman” e “O Elo Perdido”, desenhos marcantes como “Os Smurfs” e a programação infantil da Rede Manchete. Foi lá que surgiu a Xuxa. Ela não tinha muito jeito com as crianças. E continuou não tendo... Mas os desenhos eram excelentes, como “A Caverna do Dragão”, "He-man" e os “Thundercats” (que passava aos domingos), lá por 85-86, já na Globo. Nessa época eu gostava de novelas, também.

Em 1989 nos mudamos para o apartamento “emprestado” do meu tio. O que era para ser uma dádiva, sair daquele JK, virou um pesadelo ainda maior... Mas isso é assunto pra um outro momento. Basta dizer que a televisão estragou de novo. Perdi “Que Rei Sou Eu?”, “Tieta”, o melhor da “TV Pirata”. Perdi excelentes filmes. Só lá por 1994, quando comecei a trabalhar para sustentar a casa pude adquirir um televisor colorido, novinho. E na sequencia um vídeo cassete. E um micro-sistem para ouvir músicas, que era meu sonho.

Agora é 2020 e as coisas são muito diferentes. Pode-se até não ter muita grana, mas a televisão está em todos os lugares e é bem mais acessível. Hoje, a mãe e a tia tem seu aparelho de LED de 42 polegadas na sala. Eu tenho vários: o notebook onde baixo filmes e séries, o celular onde assisto os conteúdos da Netflix e Amazon, e como uma linda recordação e em perfeito estado, a Phillips que comprei há 16 anos quando meu filho nasceu, de 20 polegadas e tela plana, de tubo... E que não vai estragar!

Sergio Vinicius Ricciardi
Enviado por Sergio Vinicius Ricciardi em 27/12/2020
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