QUANTO DURA UM SÉCULO?

Dia desses um amigo, Renato Rosa, numa troca de e-mails, referia-se há a fatos ocorridos há algumas décadas como se tivessem acontecido há séculos. Contava-me sobre as andanças de pessoas conhecidas e corrigia-me sobre a confusão que fiz sobre a atividade de uma delas: troquei o jornalismo pelas artes plásticas; assunto esse, diga-se, que ele trata e lida, há anos,(ou séculos?) como ninguém.Pensando no tempo e em sua marcha implacável, lenta e morna, percebi que depois de termos percorrido mais de meio século nesse alegre e divertido vale de lágrimas é natural que passemos a adotar essa medida de tempo. Daqui pra frente medirei os anos em séculos e os dias em anos. Perderei minutos com qualquer coisa que seja, desde que não seja uma tolice, por que tenho tempo de sobra. Meu minuto de silêncio durará horas. Minhas horas de sono poderão começar numa estação do ano e terminar noutra. Dormirei durante todo o inverno e somente acordarei na primavera, despertado pelo perfume das flores e pelo canto dos pássaros, mas que não sejam periquitos. Andarei pelo tempo sem pressa, assim como quem não quer nada, e responderei uma pergunta na ponta da língua, ou então, só depois das 3 horas da madrugada 90 dias depois. Farei portanto do tempo um escudo. Minha blindagem contra a morte por pelos menos alguns séculos mais. E como o tempo e a velocidade são inseparáveis, retardarei a velocidade da bala perdida e darei a ela um novo rumo; que vá parar no quinto dos infernos, se é que eles existem. O assaltante que me espera às 15 horas perderá seu tempo pois não estarei lá na hora. Não chegarei atrasado porque, quem sabe, ele tenha paciência; ou não tenha nada o que fazer e esteja lá a minha espera. Passarei antes, bem antes dele chegar.

Meus séculos de existência já somam mais de 2 milênios, tenho a impressão. E, por isso, talvez, tenha essa sensação de já ter visto antes a sacanagem de hoje, a safadeza mais recente, a desfaçatez permanente. A farsa de ontem? Nada de novo, é a mesma do início da República. As promessas de candidatos ao poder precisam ser renovadas; não são nem criativos. Melhorar - palavra que não significada nada - a saúde e a educação é promessa milenar. Milhões de pessoas já morreram analfabetas ao longo dos séculos e de todos os tipos de doença. As promessas são as mesmas, há séculos. Começar aquele regime na segunda-feira, quem não promete? Prometo que nunca mais faço isso! Juro! E ainda juro. Nunca mais...nada, porém, é nunca mais assim como sempre tem hora pra terminar.

E o tempo passa enquanto ouço “as time goes by”, sem parar e há séculos; que diz que tudo é a mesma história de lutas por poder e glória; questões de vida ou morte. Essa condição de existência limitada, nos dá pouca capacidade de entender a dimensão perpétua. Por isso nos contentamos com os instrumentos que temos para medir o tempo e o espaço; aqueles comuns, a hora, o ano, o metro, o quilômetro, por exemplo. Não precisamos esperar alguém por uma hora para sabermos quanto tempo isso leva, como custa a passar. Sabemos perfeitamente o tamanho desse tempo; esse tempo medido assim pelo sistema que conhecemos e que é de uso comum aqui do lado de baixo do equador. Mas se eu disser que estou a 2.400 milhas de distância da tua casa, provavelmente tu não terás nenhuma noção da distância que estou. E se eu estiver dirigindo meu carro a 250 milhas por hora tu não vais saber a que horas eu vou chegar. Não estamos acostumados a esses parâmetros e isso pode nos confundir e o que nos confunde pode ser usado para esconder a verdade. A verdade ou o que quer que seja. E como eu não sou – e acredito que não somos - propriamente a verdade, nem o caminho e menos ainda a luz, e nem a mentira, posso, e podemos nós, criar nossos próprios parâmetros de tempo e de espaço. Assim, espero poder viver mais 2 séculos e só depois, aí sim, morrer para nunca mais voltar. E, como disse Frida Kahlo, feliz e para sempre.

CESAR CABRAL
Enviado por CESAR CABRAL em 29/10/2007
Código do texto: T714649
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