Balanço literário

“Tô fechado pra balanço, meu saldo deve ser bom”. Assim são os versos da canção do poeta que faz o balanço da vida dizendo que “viver não me custa nada, viver só me custa a vida e a minha vida foi dada”. Neste balanceado não pesa “a força da grana que ergue e destrói coisas belas”. Mas como fazer um balanço da vida para saber o seu saldo? Que parâmetros usar nessa medição? Final de ano é propício a esse tipo de exercício. Neste, especialmente, as perdas pandêmicas levarão, para muitos, o balanço para o lado negativo. Parentes, amigos, celebridades, anônimos, os seus desaparecimentos farão o saldo pender para baixo. Já o isolamento social a que fomos levados para o nosso próprio bem e das pessoas que convivemos, levou-nos a criar, ou ampliar, determinados hábitos, alguns obrigatórios (e chatos), como lavar, limpar, e outros, prazerosos, como cozinhar, ouvir mais música, ver mais filmes e ler mais. Aproveitei bem esses prazeres, alguns até funcionando de maneira simultânea (como cozinhar ou ler ouvindo música) com predominância da leitura, deduzindo assim que meu saldo foi bom.

Participar do grupo Amigos do Livro me levou a, “por obrigação”, ler e debater, em cumplicidade com nove pessoas doze livros, um a cada mês. Além desses, por ser cliente da TAG Curadoria há cinco meses, subiu a compulsoriedade leitora para mais cinco outras obras e participar dos debates virtuais que encerram a leitura do mês. Afora as indicações que as meninas do clube fazem (e eu obedeço, que não sou besta), os cadernos literários (que já nem são tão cadernos assim, resumindo-se a uma página) de O Globo, o Estado de São Paulo, mais os podcasts de leituras, cada qual com as suas indicações livrescas. Isso significa que, sem sair fisicamente de casa, o passeio por países, culturas, estilos, histórias as mais diversas, me levaram para mundos que não teve isolamento social que impedisse essas viagens.

Com licença do poeta, “de tudo fica um pouco”, e aqui eu destaco um pouco do que ficou dessas leituras turbinadas pelo confinamento. Dos Amigos do Livro, grupo que me fez reviver o prazer da leitura não associado ao lado profissional, dirigindo-me ao ficcional, destaco o português José Saramago, Nobel de literatura de 1988 com As intermitências da morte, e a genialidade de terminar o texto da mesma forma que começa, com a frase “No dia seguinte ninguém morreu”. Imagine esse mundo em que não há morte no dia seguinte, com todas as implicações que isso gera, aliado a um estilo peculiar de escrever, em que a virgula vale mais que qualquer outra pontuação. Outro foi O Tribunal da Quinta-Feira, do gaúcho Michel Laub, em que confissões, (tipo conversa de bar - sem freio - depois de tomar umas e outras) trocadas por dois amigos por e-mails, vêm à tona, provocando toda a sorte de consequências. O derradeiro destaque dessa série fica para A paciente Silenciosa, de Alex Michaelides, chipreano, apresentando um filme em forma de livro, tal a sua maestria em colocar o leitor numa série, em foram de prosa.

Das indicações de amigos e de podcasts destaco A cidadela, do escocês A. J. Cronin, com a história de um jovem médico que passa de vilarejos de mineradores do interior, bem intencionado, até o sucesso profissional em Londres, rendendo-se ao sistema que tanto combatia. Domenico Starnone, com o seu recente Segredos, também me acariciou a alma. E mais não digo, para respeitar o título. Mas, o que me pegou de jeito, foi O Arroz de Palma, do carioca Francisco Azevedo, também roteirista de cinema, fazendo o texto passar pela nossa cabeça com o filme rodando. A associação família/gastronomia no capítulo “Família é prato difícil de preparar”, para mim é antológica. No mais, foram leituras que marcaram, além de outras que o espaço não comporta. O que me atrai num livro? A boa história. Como disse Antonio Fagundes, eu também, (e há muito) deixei de ser besta, leio best seller. O que vale é a história bem contada.

Fleal
Enviado por Fleal em 29/12/2020
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