O DOUTOR CASAMENTEIRO

O DOUTOR CASAMENTEIRO

Autor: Moyses Laredo

Certa ocasião, ao retornar à 4ª Residência de Manutenção de Rodovia, do DER, na AM-070, já no fim da tarde, onde eu era o engenheiro chefe, me deparei com um grupo grande de moradores locais me aguardando, fiquei curioso, deveria ser algum pedido de serviço, como limpar ramal, desobstruir vias de acesso, retirar árvore caída etc. coisas que sempre me pediam. Cumprimentei de passagem a todos e entrei, e já na minha sala, fui informado de que o pessoal queria falar comigo, perguntei ao meu ajudante de ordem, para saber do que se tratava, mas tudo que sabia é que o assunto era pessoal, por isso tinham que falar só comigo. Nesse caso pedi que formassem uma comissão de no máximo 5 pessoas, porque era o que havia de cadeiras na minha sala, depois, pedi que entrassem. A comissão era formada por um senhor baixinho de bigode fino sobre a linha do beiço, chapéu preto, pescoço enterrado, camisa de manga comprida. A senhora dele, também parecia estar com roupa de missa, branca e de saia rodada, acompanhados de mais uma garota de uns 12 ou 13 anos, e outras duas já adultas. Depois das apresentações sentaram-se e então perguntei-lhe do que se tratava, qual a razão dessa comitiva, o senhor gaguejou um pouco, limpou a goela do pigarro do pau-ronca (cigarro forte), engoliu tudo e começou a falar. Disse que um funcionário meu, havia “mexido” com sua filha, fez uma pausa, olhei em volta e avaliei com quem poderia ter sido, as duas moças que o acompanhava, me pareciam bem experientes na arte, pelos batons sobrando da boca e excessos de maquiagem nos olhos, mas, não o interrompi em seu relato, o deixei continuar. Disse que o sujeito se aproveitou de um descuido da família e fez mal a menina, outra pausa, desta vez para soltar outro pigarro que se apegava na goela. Pensei então: Peraí, ele disse menina? será que seria a menina diante de mim? Então curioso, apontei o dedo para a garota perguntando, - “É essa garota aí?” – “Sim!” se apressou a mãe, que se mantinha calada. Caráio, agora sim, estava diante de um problema, a coisa pode pegar, nesses casos de abusos de menina-moça de família, no interior é bomba de alto poder explosivo. Arrisquei perguntar...- “E como é o nome do tal funcionário que fez mal a ela?” – A mãe de novo, pulou na frente do velho e disse, - “É o xiri-de-vaca!” Fiquei confuso, eu tinha nessa época quase 160 funcionários e pelo que sabia, pois assinava a folha de ponto, ninguém se chamava assim por lá. Chamei o Marcos de novo (meu ajudante de ordem) e lhe perguntei se sabia quem era esse tal de xiri-de-vaca. Ele se curvou por trás e prontamente cochichou, - “É o Santana doutor!” – “Como?...o Santana? o nosso patroleiro?” – “É ele mesmo!” Então eu disse, - “Vá chamar esse fi-duma-égua agora!” Fiz um sinal com a mão espalmada, pedindo a todos que aguardassem um pouco.

Depois de uns instantes o Marcos retornou dizendo que ele estava dormindo. – “Como dormindo? São sete e pouco da noite, se tiver mesmo, acorde-o e diga-lhe que eu quero falar com ele, e é agora!” O pessoal se entreolhou de admiração, canto de boca pra baixo, sobrancelhas pra cima, como quem se espanta, mas ficaram calados. O Marcos veio e disse que tal de Xiri estava na sala da fonia, ao lado, pedi licença e fui ter com ele: - “O que houve camarada?” – “Nada não doutor!” – “Então vamos lá, esclarecer isso!”

- “Peraí doutor...” – “Caba, não enrole, o pessoal está lá na minha sala, fala de vez o que houve!” Ai se vendo sem saída, começou a contar as coisas, disse que quando estava dando uma “arrumada” com a Patrol (moto niveladora) no ramal lá dentro da comunidade, vi a menina passando, com aqueles cabelos longos, se requebrando toda, foi bater o olho nela e me encantar, parecia mandinga, gostei demais na hora, parei a máquina, desci e fui conversar com ela, trocamos umas ideias: - “Doutor, a menina é arrumada demais da conta, se o senhor visse, a diabinha tem uma cinturinha de violão, uns troncos de coxas, mais grossas do que estaca de moirão, os peitinhos bem durinhos com os bico roxo, que nem se mexe quando pula e ... – “Vamos parar com isso homem! Vá logo me dizendo o que eu quero saber” A família dela está impaciente com essa história e diante do lero-lero dele, fui logo ao ponto!

- “Afinal, você comeu, ou não comeu a menina?” Ele ficou parado me olhando pensativo, levantou uma sobrancelha, agarrou o que ele chamava de barba de bode (cavanhaque), foi então que ele rompeu o silêncio tomou coragem e disse, com toda certeza do mundo: - “Comi sim doutor, ah se comi, a cabritinha era de mais arisca, na primeira vez, foi mesmo atrás da máquina, gritava demais, mas não era dor não, era de alegria, que tive que ligar o motor para não alarmar ninguém, o diabo é que ela gritava muito, mas me segurava, nada de querer me largar, queria sempre “de novo” e de novo, foi assim, toda vez que eu ia por lá a bichinha já me esperava na moita, até levei uma surra de formiga jiquitaia debaixo do coqueiro, mais...- “Tá bem, tá bem!” Não era essa história que eu queria saber, já que tu comeste agora vais ter que casar com ela!” – “Mas quando, doutor... eu não posso, eu já sou casado lá em Manaus”. – “Mas de papel?” – “Não senhor, só ajuntado mesmo, mas é que eu tenho 4 filhos com a baranga!” – “Não sei não, agora complicou o teu caso”, me deixa pensar um pouquinho, vamos fazer o seguinte, tu casas, fica na tua, mas continua dando ajuda pra tua família, depois de um tempo, se tu quiseres te transferir eu aprovo a tua transferência para onde for, tu só precisas ficar atento, pois se eu já tiver sido transferido, não tem jeito, o outro engenheiro que vier no meu lugar não vai entender a tua história.

Ele se animou com a ideia, principalmente de continuar com o chumbinho, então me disse: - “Nesse caso doutor, se o senhor garantir a minha transferência, eu me caso até hoje mesmo!”

- “Ok! Ok! volte a dormir que eu me entendo com o pessoal”. Sai da conversa com ele, de cara amarrada, entrei na sala onde estava a tal comissão, eles perceberam meu semblante, vi que estavam assustados, mas, não falaram nada. Depois de um breve silêncio intencional, olhei nos olhos de um por um, me apoiei nas duas mãos sobre a mesa e teatralmente comecei a falar, dizendo: - Ele vai casar sim! Esmurrando com o punho fechado na mesa, e continuei com a cena, fiz ainda mais uma pausa, - Aqui ninguém mexe com filha alheia sem reparação. Pode marcar a data!

Toda a raiva e emoção da família de repente se transformou numa explosão de alegria, a mãe foi a primeira que saiu da sala correndo derrubou o banco onde estava sentada, e foi dar a notícia aos outros que aguardavam pacientemente no pátio, foi uma alegria geral, parecia gol do Brasil, ainda pude ouvir alguns comentários, “Esse doutor é macho pra caráio, o cabra é dos bons” e coisas parecidas. O pai apertou minha mão com as duas dele e disse que o primeiro a ser convidado para o casório seria eu. Não passaram 15 dias e chegou o tal convite do casamento, até isso teve, não sei se foi só pra mim, mas aceitei e fui. A festa foi muito maior do que eu imaginara, tinha gente vindo de longe, acho que umas 80 pessoas, por baixo, fora os meninos, que de tantos, dava na canela. O sogro mandou matar um boi, e dois porcos gordos, e umas tantas galinhas, a festança durou a noite inteira, o noivo me parecia muito animado, me chamou pro lado e contou que não saberia como se sair do caso, se eu não o tivesse ajudado, ficou muito agradecido. Só insisti que não deixasse sua mulher e seus filhos desamparados, ele me respondeu que de jeito nenhum faria isso, ele amava seus filhos, disse até que já tinha falado com o seu sogro dizendo ser separado, o sogro que também fazia parte do clube, lhe arranjou logo um pedaço de terra para fazer sua casa, que ele começaria em breve. O detalhe é que, mesmo sendo um operador de máquinas, seu salário mensal, em comparação com os das pessoas daquela região, era um espanto, ganhava no mês o que o seu velho sogro conseguia juntar num ano inteiro. Logo ele formou um pequeno rebanho de algumas cabeças de gado, porcos e umas galinhas poedeiras, estava tocando a vida muito feliz. Sempre que podia, eu dava um pulo por lá pra tomar um cafezinho com beiju de tapioca com eles. O pior é que ganhei fama de casamenteiro, e mais, diziam que, os que eu casava não se largavam mais!

Molar
Enviado por Molar em 03/01/2021
Código do texto: T7150532
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