ROSA PÁLIDA

Despertei. Corpo dolorido. O peso nos ombros apenas reforçava que o corpo e a alma choravam. Dores que transcendem o físico, o racional. Vestira a roupa que sonhara, mais uma vez, para sepultar um ente. Um extermínio brutal de um jovem que ocupava a função de Pai, Esposo, Irmão, Filho, Primo, Tio, Sobrinho, Afilhado, Amigo bem amado e que sabia retribuir amor, generosidade, compaixão, alegria. Perder um ente é sempre doloroso, no entanto, presenciar uma vida ceifada de maneira tão brutal e torpe é deveras dolorido. Tanto para a família da vítima quanto do agressor, uma vez que ocorre um emaranhado energético de pura dor. Chego ao velório, da porta, olho a figura de meus tios dilacerados por mais um duro golpe da vida a se questionarem Deus, a desejar o fim de suas vidas. Naquele momento, compreendi intensamente o quanto é doloroso para os país idosos e doentes enterrarem seus filhos e o quanto é doloroso para uma criança enterrar seus pais. Julguei! Quanta maldade nas mentes humanas que parecem desprovidas de coração! Quantas destruições as pessoas promovem nas famílias de outrem! O que responder àquelas crianças e àqueles pais? Não consegui responder, apenas os abracei e chorei, esquecendo os limites do isolamento. Chorei por eles, chorei pelos pais e filhos que nem mesmo puderam velar seus entes, chorei por aqueles que nem ao menos podem ser abraçados, chorei por mim. Por que sonho tanto com as mortes se nada posso fazer? Tantas perdas que nos dilaceram a alma! Onde estaria Deus naquela(as) morte(s)? Onde estaria Deus em tantos sonhos que, para mim, já legitimam o acontecimento do fim de uma vida corpórea? A emoção desequilibrada e o sentimento de impotência preencheram meu coração ao recordar a peregrinação/premunições daqueles sonhos. Por 7 dias e 7 noites sonhara com pequenos fragmentos que ao ser juntados me diziam que haveria um desenlace: sangue escorrendo pelas pernas, tiros sendo deflagrados em mim, pauladas na cabeça, dente sendo arrancado, cabelo caindo, chorando em velório, vestindo uma roupa sem querer vestir, cheiro de cravo de defunto e a rasga mortalha no meu telhado. Símbolos/premonições que parecem nos matar ou preparar a cada dia para o nosso próprio sepultamento. Supliquei a Deus uma resposta! Supliquei uma compreensão que não me levasse a revolta ou ao desespero. Respirei. Respirei e comecei a entender perfeitamente que vivemos realidades paralelas. Em meio as divagações entre “Há muitas moradas na casa do Meu Pai”, dois primos começaram a me relatar seus sonhos durante a semana. Emocionei-me, pois não era a única, não estava sozinha, eu apenas compartilhava a parte de um todo. Bert Hellinger, no livro A simetria oculta do amor, afirma que “Além de sermos filhos, parceiros e talvez pais, partilhamos um destino comum com relacionamentos mais distantes – o que quer que aconteça a um membro de nosso grupo familiar, para o bem ou para o mal, nos afeta e afeta também os outros. Junto com a nossa família, formamos uma associação cujo destino é comum. Os vínculos, no grupo familiar, estendem-se também ao longo do tempo e das distâncias, de sorte que os membros da família estão ligados a outros que já morreram há muito tempo ou foram para longe”. Passei a entender que compartilhávamos tantas dores que se repetiam no nosso sistema familiar paterno. Passei a entender que a família é um bem maior e que deve haver um equilíbrio de troca e que nenhum membro pode por orgulho ou vaidade excluir o outro membro. Passei a entender que o respeito a quem veio antes deve ser honrado e que fazemos parte de uma grande família, onde todos devem ser incluídos e visto com amor e respeito. No momento, posso não ter todas as respostas e razões, mas oferto a beleza dessa rosa pálida aos corações sofridos pela perda de seus entes, para que passem a compreender que os sonhos/premonições podem ser a revelação de que não existe separação entre o passado, presente e futuro. Tudo parece ocorrer ao mesmo tempo, provando que mesmo na tragédia existe o cuidado de uma Força Divina orquestrando nossas vidas e que não importa o passado, podemos construir e ressignificar cada evento traumático de forma a iluminar a continuidade da vida.
Aretuza Santos
Enviado por Aretuza Santos em 04/01/2021
Reeditado em 23/01/2021
Código do texto: T7151308
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