AS ONÇAS COMEDORAS DE GENTE

AS ONÇAS COMEDORAS DE GENTE

Autor: Moyses Laredo

“Aqui tem onça”, só de ouvir essas palavras, o temor invade quem quer que seja que estiver na mata, pode até estar armado, mas a bicha é temida por todos, não há caçador que não se treme ao ouvir seu esturro. Nenhum deles se acha mais valente, diante de uma comedora de gente. As histórias de ataques se acumulam no interior da Amazônia, onde esse animal reina absoluto. Caçam todo os outros tipos de bichos, até jacarés! - Eles são uma ótima opção porque têm bastante carne, principalmente nas caldas, partes que dão preferência. As onças do Pantanal são as especialistas em jacarés, as daqui também, caçam até maiores que elas. Na caça dos jacarés, elas se aproximam sorrateira e silenciosamente e dão um salto certeiro sobre eles, de cima dos barrancos, ou, de árvores caídas sobre os rios, sabem exatamente onde é a parte mais vulnerável da carapaça deles, o lugar fica exatamente atrás dos olhos, depois da cabeça, há um ponto de pele, onde a couraça não é tão espessa, por uma razão natural, o jacaré precisa ter mobilidade para torcer a cabeça quando se defende, o lugar é uma região macia, onde nem ossos possui, logo ali, onde as terminações nervosas do cérebro do animal se estende, como a nossa medula espinhal, é nesse único ponto, onde a onça, a rainha das selvas Amazônicas, crava seus poderosos caninos de mais de 14 centímetros, juntando os inferiores com os superiores, quando fecha as mandíbulas, produz uma estupenda força, que sai esmagando tudo, quem estiver por perto, chega a ouvir os ossos de suas vítimas se estraçalhando.

Normalmente elas têm medo de gente, principalmente as que já tiveram contato com o ser humano, ou foram feridas por eles, mas, aquelas do centro da mata, do oco do mundo, onde reinam absoluto, não! Ali elas defendem seus domínios com unhas e dentes, sem trocadilhos, pois estão no topo da cadeia alimentar, nada as assustam, são atrevidas e traiçoeiras, não temem nada, enfrentam tudo, andam à soltas, como umas rainhas, caminham sem pressa, com seus passos desengonçados. As onças da Amazônia no seu tamanho adulto, chegam a pesar mais de 60 quilos de músculos e garras, mas mesmo com todo esse peso, podem te surpreender, porque pisam um pé por sobre o outro, mesmo em folhagens, não se ouve nada. Muitos caçadores na espreita das “comidas” são surpreendidos com esse felino, já bem próximo dele. Com esse portifólio mete medo em qualquer um que aventure caçar à noite.

As histórias de ataques são contadas de pai para filho, cada um, aumenta um pouco, mas no fundo, a realidade é que viver nas florestas é perigoso em todos os sentidos. Recentemente, um caso triste ocorreu num ramal, do município do Bujari, no Estado do Acre, cerca de 40 Km da capital Rio Branco, duas onças, uma preta (pantera) e outra pintada, comeram até aos ossos, um caçador da região, só deixaram a cabeça mutilada, sem as orelhas e nariz, as demais partes do coitado, nunca foram encontradas. Contaram que ele, havia dito que sairia para buscar uma caça, a fim de fazer a “intera” da mistura (completar a carne) da janta, disseram também, que ele se embrenhou na mata, a boca-da-noite (bem à tardinha), tomou o rumo dos rastros de uma paca, ele e o “lumbriga”, seu cachorro-de-paca (especialista em caçar pacas). Acostumado, foi indo mata a dentro, até deve ter ouvido os esturros delas, porque era comum ouvisse, mas, não deu tanta importância por saber que onças tem medo de gente, não imaginava que aquelas não! A noite chegou, ele encontrou abrigo numa palhoça, sua conhecida, que só tinha mesmo a cobertura de palha, sem paredes, toda aberta, lá armou sua rede para tirar um sono, nem se preocupou em fazer um foguinho, isso assustaria as caças, e ele não pretendia dormir a noite toda, apenas queria fazer hora, para sair mais tarde, mas, o cansaço e umas garrafas de corote, o fez pegar num sono pesado. Dizem, os que lá estiveram depois, à sua procura, que os rastros das onças eram bem recentes, e que elas o atacaram ainda na rede, parte dela estava rasgada, e foi já pela manhãzinha, enquanto dormia, contaram também, que pegaram primeiro o lumbriga, viram a areia revirada onde o cachorro dormia. Todos acreditavam, que as onças só caçavam à noite, papo furado, essas duas comeram o homem já com dia alto. O grupo de parentes caçadores, botaram os cachorros no rastro delas e finalmente as acuaram, tinham subido num pau e de lá, os caçadores derrubaram-nas à bala, depois, trouxeram para a cidade, e abriram seus buchos, infelizmente, lá encontraram os supostos restos mortais de pedaços humanos do pobre homem, as onças não mastigam, engolem grandes nacos de carne, junto com alguns vestígios bem claros dele, encontraram parte da sua calça jeans e os botões da camisa velha que o homem vestia, foi então que confirmaram serem as duas, as assassinas que comeram o pobre homem.

Outro caçador, desses de fim-de-semana, saiu com amigos para a “espera”, nesse local estava caindo umas frutinhas de caxinguba, os veados adoram comê-la, daí se originou dizer, quando o sujeito apresenta alguns trejeitos efeminado, “esse aí é chegado a uma caxinguba”. O caçador de final de semana, se acomodou numa árvore próxima à “comida” e por lá ficou a espera da caça “entrar”. A qualquer ruído, ele movimentava a lanterna para se certificar do que seria, e assim ficou um bom tempo, até que, numa dessas viradas de luz, deu de cara com a bicha já bem pertinho dele, estava a subir no pau onde ele estava, o susto foi enorme, de gelar o sangue, a luz da lanterna a encandeou por uns instantes, ele viu de perto os olhos da onça a lhe olhar fixamente, num relance, que foi o tempo dele enfiar o dedo no gatilho e disparar atabalhoadamente para onde a espingarda estava apontando, do jeito que estava, nem pensou em fazer mira nela, queria mesmo era assustá-la com o estampido, e foi o que aconteceu, a onça de onde estava, deu um pulo pra trás e com dois saltos, sumiu na escuridão da noite. Mais uns dois metros ela o teria pegado de surpresa. Primeiro o derrubaria com uma patada certeira e em seguida, já cairia em cima com as presas cravadas no seu pescoço, o sujeito nem tempo teria pra gritar, passaria a ser mais um na estatística das histórias das onças comedoras de gente.

Uma vez, um grupo de amigos, ao chegarem no local da pescaria, dentro da mata, à beira do rio, viram duas onças na vadiagem (cio) como dizem, pararam a uma pequena distância ficaram observando, nenhum deles tinha arma, só caniços e um facão, ficaram a espera por uns bons tempos, foi quando as onças os notaram, olharam pra eles, e calmamente saíram para se embrenhar na mata. Todos queriam sair dali, bateu um pânico geral, mas o senhor que os trouxeram, disse que elas não fariam mal porque nessa época, elas não caçam, estão se reproduzindo e passam o dia todo na vadiagem. Com isso todos ficaram mais calmos e resolveram continuar com a pescaria, o pescador mais velho, disse que iria dar uma descansada, bem debaixo da mesma árvore que as onças tinham estado, não se intimidou, até mandou os amigos saírem para jogar suas linhadas (linha comprida pra pegar peixes grandes) que ele ficaria bem, só queria puxar um ronco. Quando um amigo retornou para ver porque ele demorou tanto, não o encontrou, a areia estava revirada e tinha um rastro de sangue indo em direção à mata, ele deu o alarme e todos correram até lá, e agora? Ninguém tinha a porra de uma arma, o que fazer? Não tiveram alternativas, saíram em busca de socorro, mas a demora foi grande, coisa de duas a três horas para voltar com gente armada. Entraram no rastro das marcas e não demorou muito, lá estava o seu “mininu” escorado numa árvore gemendo, só dizia – “Não deixem as onças me comer”. As onças tinham comido quase todo o seu intestino, nem se preocuparam em matá-lo, foi uma cena horripilante e pavorosa, todos ficaram apavorados, o pobre homem ainda vivinho tentando se levantar sem poder, morreu em poucos minutos, nem chegou a ser socorrido no hospital local.

Um dia, um grupo de conhecidos saiu para caçar, o mais experiente, logo quis saber do dono da casa onde dormiram, se naquele lugar aparecia onça, o morador afirmou que nunca tinha visto nenhuma, nem mesmo rastro, isso fez com que a turma se acalmasse, se dividiram e saíram atrás de pegar os rastros de um bando de queixada, que estava devastando a roça do homem, depois das conversas de sempre, sumiram, cada um para o seu lado, quem topasse com os porcos, todos saberiam, porque o balaço começaria e se ouviria longe. Um deles, tinha escolhido seguir onde achava que tinha um poço (d’água) porque ali seria mais fácil de encontrar rastro de animais, apostou que traria um porquinho mais rápido que os outros, no caminho, avistou um pequeno morro à sua frente, teve que reduzir as passadas para subir, era um pouco íngreme, havia também muitas árvores no caminho que naturalmente dificultava seu avanço, sem saber, aquilo salvaria sua vida, porque ao reduzir a marcha, pode sentir o cheiro da onça e ao mesmo tempo, ouvir seu rosnado. Parou, aprontou a chumbeira, mas se lembrou que sua arma, não dava conta de caça graúda, muito menos de onça que tem o couro duro, ficou no dilema, e agora? O que fazer, enquanto isso, dava para pressentir que a onça avançava em sua direção, os seus rosnados, ficavam mais altos, de uma coisa tinha certeza, a onça não o tinha no olfato, o vento estava da onça pra ele, mas, a única alternativa seria dar um susto nela, se esgueirou até conseguir uma boa visão, da monstra, disse ele que a onça fazia medo em qualquer criatura, ela era grande e pesada, daquelas que o couro da testa baixava sobre os olhos, ela vinha em passadas firmes em sua direção, que patas enormes, estava aproximadamente uns 10 metros um do outro, ele fez mira, mesmo assim, se iria desperdiçar um cartucho que fosse nela, porque desse modo a bicha ia correr mais rápido se ferida. Saiu o disparo, sua velha espingarda, só dava um tiro de vez, depois, abaixou a vista para retirar o cartucho queimado e inserir outro, isso normalmente é jogo rápido, mas no caso, parece que demorou uma eternidade, suas mãos tremiam mais do que vara verde, custou a enfiar o cartucho. Finalmente depois da arma municiada, quando levantou a vista, a onça ainda estava no mesmo lugar, ela tinha parado, agora estava sentada nas patas traseiras, bufando e resfolegando sangue, fazendo uma zoada igual quando um gato se engasga, ele ficou quieto a observar a “arrumação” dela, aguardou até que a onça se deitasse. E quem disse que ele teve coragem de ir lá ver se a onça tinha morrido, não passava pela sua cabeça de que, uma espingarda calibre 28 tinha feito tamanho estrago, ficou um bom tempo imóvel, só observando, para ver se ela fazia algum movimento respiratório, mas não notou nada, a onça tinha de fato morrido, parecia uma coisa impossível, até pra contar para os outros, então, criando coragem e sempre com a chumbeira apontada para a cabeça dela, se aproximou lentamente, até chegar bem juntinho para cutucar a bicha com o cano da espingarda. Ficou pasmo de ver o que tinha acontecido, procurou, procurou, e não encontrou furo de bala, até achou que ela tinha tido um ataque “caudico”, mas, depois, notou umas pequenas gotinhas de sangue pingando do peito dela, logo abaixo do pescoço, concluiu que apenas um chumbinho, penetrou no couro e varou seu coração. Botou a onça nas costas veio com ela até a casa do morador, ao chegar, rebolou a bicha no terreiro, dizendo, - “Tai, a onça que vocês diziam que não tinha!” todos ficaram assustadíssimos ao ver aquele animal tão perto de casa, foi um corre-corre geral, veio gente de longe para ver a tal onça, depois dessa, ele ficou conhecido na região como Zé das onças.

Molar
Enviado por Molar em 08/01/2021
Reeditado em 09/01/2021
Código do texto: T7154653
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