MEU PAI, SEM NECESSITAR, RECEBEU TODOS OS AUXÍLIOS EMERGENCIAIS – O MEU NÃO

No último campinho de pelada do bairro, metade grama, metade terra batida, a bola está no centro, o jogo está para iniciar, silêncio absoluto. Próximo ao campo, em um galho do caquizeiro, Pedrinho está bem posicionado, dali ele tem uma ampla visão do campo. Pedrinho gosta muito de futebol, mas não de jogar, gosta mesmo é de transmitir o jogo, diz que quando crescer vai será locutor. O jogo vale um monte de caquis maduros que estão ao pé do caquizeiro e que todos os jogadores ajudaram a colher. Quem ganhar leva tudo, melhor come tudo.

Pedrinho esfrega os dois dedos na bermuda e depois leva a boca e trila o apito, ele não só transmite o jogo como também é o arbitro. Ele começa: “Abrem-se as cortinas e começa o grande espetáculo. Picolé toca para Todinho, Todinho para Pirulito, Pirulito avança pela direita, cruza na área, sobe de cabeça Laranjinha e é GOL, GOL, gol... . Um golaço torcida brasileira. Um a zero para os ‘sem camisas’ ”. O jogo continua, mas não demora e tem um início de discussão, briga em campo, então o locutor Pedrinho pede ao seu “assistente de campo” Joãozinho: “O que houve aí Joãozinho?”. Então Joãozinho de imediato responde: “Ouve Rádio Caquizeiro”. Pedrinho diz: “Eu desejo saber é a respeito da briga”. Joãozinho então diz: “Agora entendi, quanto à briga já está tudo resolvido, os jogadores já se entenderam”. O jogo transcorre normalmente, mais alguns minutos e Pedrinho trila o apito, determina intervalo para descanso.

Todos esbaforidos, uns sentam outros deitam à sombra do caquizeiro. Passados alguns minutos, todos vão beber água na torneira da casa vizinha ao campo que está desocupada. Saciados da sede retornam, Laranjinha então diz: “O que vocês acharam piazada, fiz um golaço né”. Todinho responde: “Golaço mesmo quem fez foi meu pai que é rico e, sem que necessitasse, conseguiu receber todos os auxílios emergenciais do Governo”. Laranjinha respondeu: “O meu pai fez um Gol mais bonito que o do teu pai, ele não conseguiu receber os auxílios, ele não tem CPF e nem sabe fazer, mas continuou trabalhando e não deixou faltar nada lá em casa, fez o rancho todo o mês. Agora o teu pai não vai mais fazer gol porque a ajuda do Governo encerrou, mas o meu pai e eu ainda podemos fazer muitos golaços”. Neste mesmo instante, rapidamente, Pedrinho lá de cima do caquizeiro trila o apito e diz: “Encerrou... agora encerrou... o intervalo do jogo, agora todos ao campo, vamos iniciar o segundo tempo”.

O capitão do time dos “de camisas” diz: “Piazada vamos virar o jogo”. O capitão dos “sem camisas” diz: “Vamos só segurar o placar, daí comemos sozinhos todos os caquis, eles vão ficar só nos olhando”.

Pedrinho então: “Recomeça o espetáculo. Rivelino para Gerson, Gerson para Tostão... Tostão cruza na área pra PELÉ”. Rapidamente todos os jogadores surpreendidos com a transmissão param o jogo, levantam a cabeça e olham para Pedrinho em cima do Caquizeiro com ar de repreensão. Laranjinha então diz: “Pedrinho assim não, somos mais “NÓIS” na transmissão”. De imediato Pedrinho sente o equívoco cometido e, corrigindo a transmissão, recomeça: “Picolé para Todinho, Todinho para Laranjinha... É isto aí, torcida Brasileira. Aqui gol feio não vale. Avante BRASIL, BRASIL, BRASIL...Vamos ao golaço, com ou sem auxílio emergencial... porque o que vale mesmo é os caquis que estão nos esperando”.