Mortes banais

Morte! Pense um assunto complicado de se falar. Ainda mais agora que a pandemia mata aos milhares. É comum, mas não tem jeito de se acostumar com ela. Qualquer que seja a religião que se abrace, por maior que seja a convicção que se tenha na vida eterna, a partida de alguém próximo é sempre difícil de ser absorvida. A pessoa pode ter cem anos, estar inválida em cima de uma cama, sofrendo com as escaras, dependendo de alguém para tudo, que mesmo assim aqueles que gostam dela querem tê-la por mais tempo. Alguns, para consolar, tentam até ser racionais, e falam do alívio do seu sofrimento ou até lembram que a pessoa cumpriu o seu ciclo de vida, criando os filhos e vendo netos e bisnetos à sua volta. Mas isso fica só na conversa. O que se queria mesmo era a pessoa por perto. De certa forma, pela ordem natural das coisas, essa é uma dor esperada.

Do lado oposto, quando a vida que se vai é de uma pessoa jovem, a perda é amplificada. Infelizmente as drogas têm sido hoje responsáveis por um sem número de casos de morte de moços, algumas delas destacadas nas primeiras páginas, e que “chega estampado, manchete, retrato com venda nos olhos, legenda e as iniciais”, do jeito que cantou o poeta em sua crônica musical.

Mas há também as “mortes bestas” (se é que se pode chamar assim). Refiro-me aqui ao falecimento de uma jovem de 21 anos, algum tempo atrás, em João Pessoa, mas que poderia ter sido em qualquer lugar. Os jornais até mostraram a sua foto. Por trás da beleza ali estampada, fiquei imaginando os seus sonhos e os de sua família para ela, e que de repente foram todos perdidos. É claro que uma fatalidade pode acontecer com qualquer um de nós. Mas pelo que li e vi nas emissoras de TV, relatadas por uma pessoa da família, essa morte estúpida está mais para caso de polícia do que para fatalidade. Vejamos: A jovem sofreu um acidente automobilístico, ficou presa nas ferragens, apresentando pequenas escoriações. Aparentemente, nada de mais grave. Tanto é que foi atendida no hospital para onde são levadas essas vítimas, sendo logo em seguida liberada. Em casa continuou sentindo dores e foi encaminhada a outro hospital. Lá o diagnóstico não foi muito diferente: as dores, “com certeza”, eram consequência do impacto provocado pelo acidente. Volta para casa e as dores permanecem. Novo atendimento médico. Aí descobrem que ela havia sofrido fratura em cinco costelas, com perfuração de órgãos. Devolvida ao primeiro hospital que lhe prestara socorro, morreu a caminho.

Conversei com alguns médicos sobre esses atendimentos de urgência. Parece ser procedimento padrão para quem sofreu um acidente com impacto, tirar no mínimo um raio X para verificar se houve algum tipo de fratura. O que não invalida o exame físico, que todo acadêmico de medicina, em seus anos iniciais, já aprende sobre a sua importância.

Mal comparando é um procedimento parecido ao que fazem as pessoas comuns quando compram frutas e legumes para saber se estão próprias para o consumo. Tocam, amassam, cheiram, para só levar o melhor. Se esse cuidado é requerido quando se faz uma simples compra de frutas, imagine ao se tratar de uma pessoa que sofreu um acidente grave. Para o bem do paciente e da credibilidade da classe médica, é preciso estar mais atento a esses costumes, uma vez que o descuido de um repercute em todos. Não custa reforçar o procedimento. A vida do paciente agradece.

Fleal
Enviado por Fleal em 19/01/2021
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