E O DIA AMANHECEU EM PAZ...
 
           Os homens todos — ou quase todos, com exceção daqueles que também pensam que não sabem dançar — já ouviram isto de uma mulher, alguma vez na vida: “eu não sei dançar”. E o mais incrível é que a maioria delas, realmente, acredita nisto; que não sabe dançar. E assim, privam-se, tanto ele quanto ela, de uma das mais prazerosas formas de comunicação e de expressão corporal, que é a dança. Simplesmente, porque foram levados a acreditar que não sabem, mesmo, exercitar esta coisa simples e gostosa, que é o ato de dançar.

            Li, já faz tempo, em algum lugar que agora não me lembro qual foi, que, naquele tempo em que as pessoas dançavam juntas (e não, como agora é mais comum, cada qual saracoteando para um lado, no meio do salão), a dança desempenhava um papel importante na socialização das pessoas e, principalmente, na fundamental etapa de preparação, para o início de um relacionamento. Porque enquanto dançava e conversava, o casal fazia uma avaliação mútua, inclusive, no que diz respeito à sensação de tocar o corpo do outro. O que, pelo menos nos tempos aos quais me refiro, até que se oficializasse o namoro, era muito mais difícil, porque ainda não havia a moderna instituição dos “ficantes”.

            Era, de fato, uma coisa de indizível prazer! E, além do mais, era necessário que o casal conversasse enquanto dançava, para que aquele momento parecesse natural, sob a ótica dos pais, que a tudo observavam de sua mesa. E de alguns diretores do clube, que não hesitavam em sugerir, aos mais entusiasmados por aquele contato físico, que se sentassem para descansar um pouco, sempre que algum jovem um tanto mais afoito dava sinais exteriores de sua alegria, pelo entusiasmo daquele momento estratégico. E quem tem de cinquenta anos para cima, sabe muito bem ao que estou me referindo.

            Mas, voltando à questão de saber ou não saber dançar, a dança é algo tão instintivo, tão natural, que até mesmo algumas outras espécies de animais dançam, como parte do seu ritual de preparação para o acasalamento. Mas para restringir a conversa apenas aos chamados racionais, a melhor explicação que já ouvi, quanto a isto, foi: dançar, nada mais é do que andar dentro de um compasso e de um ritmo, tendo uma música ao fundo. Então, quem sabe andar, saberá, igualmente, dançar. É o que fazem determinadas tribos ou grupamentos muito primitivos, em que todas as pessoas cantam e dançam, sem que ninguém, jamais lhes tenha ministrado uma única aula para isto.
         
            Que me perdoem os donos das academias, mas, talvez alguns imaginem que não saibam dançar porque, ao tratarem deste assunto, logo pensam naquilo que se conhece como “dança de salão”. E este tipo de dança, cheia de volteios, salamaleques e firulas, não é a dança que brota espontânea no ser humano. É uma dança de passos prontos e movimentos elaborados, como o balé ou o jazz. Não se nega que seja uma arte, mas também não significa que, quem não souber dançá-la é porque não seja capaz de dançar.

            Tenho uns amigos que fazem aulas de "dança de salão" e já insistiram muito comigo, para que eu me incorporasse ao grupo. Eu fui ver uma única vez, sem compromisso e achei aquilo um saco! Simplesmente porque o “mala” de um professor não deixa ninguém em paz — exceto os mais experientes do grupo, que, por seu turno, ficam querendo se exibir para os demais — interrompendo, repetidamente, os que dançam por puro prazer, para fazer as correções no estilo. Ora, pois que se danem o estilo e o instrutor!

         Nunca mais voltei lá, porque detesto gente exibida e porque eu danço desde criança. Na minha família era comum a gente colocar um disco na então chamada vitrola e dançarmos, uns com os outros. Inclusive, papai e mamãe, que adoravam dançar e estimularam este gosto em todos nós. Então, é evidente que não me disponho, nesta altura da vida, a reaprender aquilo que já sei fazer desde menino, por causa de uns passinhos e voltinhas, que me cansam muito mais e me dão muito menos ou nenhum prazer! Além disto, como percebo, nessa chamada “dança de salão”, as pessoas ficam tão ocupadas em dar o passo certo e rodopiar a dama, sem passar-lhe uma rasteira e jogá-la ao chão, que não conseguem fazer uma das melhores coisas que a dança espontânea proporciona: conversar enquanto bailam, umas com as outras.

            O que falta aos que pensam que não sabem dançar é perderem o constrangimento, a timidez, e começarem a experimentar. Comecem devagar, com músicas mais lentas e um parceiro ou parceira mais experiente, que os ajude a entender os passos simples da dança: dois prá lá, dois prá cá... E nem precisa muito mais do que isto! E assim, quando menos esperarem, estarão dançando. Não como o Fred Astaire e a Ginger Rogers, mas o suficiente para garantirem o seu próprio prazer.

            Engraçado falar nisto agora, porque, de repente, eu me dou conta de que, nesta noite, sonhei que estava dançando. Não me lembro com quem, mas eu me lembro que estava tão feliz, fazendo aquilo... Uma cena, na memória deste sonho, que talvez só pudesse ser descrita pelos lindos versos do Chico Buarque, na sua lírica “Valsinha”: "E foram tantos beijos loucos, tantos risos roucos, como não se ouvia mais... Que o mundo compreendeu... E o dia amanheceu em paz...".


Ilustração: Google Imagens.