Os meninos que perderam

O sentimento é de pena, algumas vezes revolta e uma insuportável incapacidade para o ato da cura, porque é doença grave, contagiosa e fatal essa violência que se abateu sobre nossas ruas, nossas esquinas, transbordando sob nossos pés o sangue da nossa cidade maravilhosa, ainda assim cada vez mais maravilhosa, mas também cada vez mais vermelha, antes de comandos, agora de líquidos que escorrem como lágrimas de medo e angústia. Nossos meninos inocentes cada vez menos inocentes, amarram camisas na cabeça, escondem os rostos, apontam armas, nos chamam de tia, de tio e falam “perdeu, perdeu”, e eu me pergunto: quem perdeu? Quem poderia perder mais que eles? Perderam a infância, a inocência necessária, a generosidade construtiva do ser humano, o simples viver. Não brincam, não estudam, não crescem, não conhecem o amor, nem nunca conhecerão, não há tempo para eles, precisam agir e rápido porque o sinal vai abrir, porque vamos correr, porque a polícia pode chegar, porque a vida assim quer. Quando os avistamos, logo atravessamos a rua, coração acelerado, vamos em frente e arriscamos olhar para trás para ter certeza de que dessa vez nos livramos deles, levantamos o vidro do carro e olhamos para o outro lado, fingimos não ver, e seguimos em frente acreditando que hoje escapamos deles, um dia após o outro, cada vez mais evitamos os meninos sem amor, os meninos que perderam, mas que insistem em dizer “perdeu... perdeu”, por Deus... quando dormem sob as marquises ou não, com o que sonham? Os meninos na minha infância brincavam de “polícia e ladrão”, os meninos que perderam vivem de “polícia e ladrão”, porque tem pressa, não há tempo para eles, não dá mais, se foi, que pena... perdeu.