JOSÉ, O VELHO CAATINGUEIRO, E O FUMO DE ROLO

JOSÉ, O VELHO CAATINGUEIRO, E O FUMO DE ROLO

Manoel Belarmino

Sentado no velho banco de craibeiro, sob o telheiro da casa de taipa, no meio da caatinga, o velho José está ali descansando do enfado da lide de mais um dia de sol na roça. Vaqueiro, neto de indígena, descendente do Território de Maria do Rosário de Poço Redondo, e de negro remanescente dos quilombos caatingueiros de Sergipe. De pele negra e cabelos brancos, já perdeu as contas dos anos da sua idade. Olhos ligeiros de vaqueiro rastejador de gado brabo no mato das caatingas. Sempre de chapéu de couro de veado e alpercatas "xô-boi" surradas. Vestido de calça e camisa de cor azul, artesanal e de estilo armorial. Na cintura, presos a um cinto de couro, um facão na bainha e uma faca afiada para contar o fumo de rolo para o cigarro de palha ou para mascar.

Ali está José, sentado, pensativo, numa tarde-noite de um dia de abril. Na sua memória, imagens incríveis se apresentam, passam como um filme. Imagens das caçadas no mato, imagens das festas de pega de boi nas caatingas do Maranduba, imagens das cavalhadas, das novenas, dos leilões e das memoráveis noites de lua e das cantigas de roda.

Mas ali continua José sentado, sob o telheiro da casa caatingueira do sertão. Na sua mão, uma faca afiada. No lado, um cepo de braúna e, no seu aió de couro, um pedaço de fumo de rolo. E, ainda, do outro lado, uma quartinha com água fresca de tanque coada em pano.

De hora em hora, o seu José faz um cigarro de fumo de rolo e pega um pedaço do fumo para mascar. E, assim, a vida de seu José continua lá na caatinga sertaneja, distante dos arruados, no seu mundo caatingueiro.

Sempre, ao entardecer, na boca da noite, seu José faz a oração para Nossa Senhora da Conceição, de joelhos de frente para o seu oratório, que sempre fica ali em lugar de destaque na varanda da casa, visível. Reza o "Padre-Nosso" e as Ave Maria. Uma vela é acesa sobre um pire branco, no lado direito do oratório que abriga as imagens "bentas" de São José, Padim Ciço e Nossa Senhora, a Virgem Maria.

E depois... depois de comer o cuscuz com leite de cabra e carne do sol, seu José reúne os netos e filhos na luz prateada da lua ou do candeeiro para contar as mais belas histórias. E histórias em cordel. Histórias de princesas encantadas, de heróis, de vaqueiros, de caçadores. E sempre com um cigarro de fumo de rolo na boca.

Depois do "bendito", das bênçãos aos netos, seu José, ao lado de sua Maria, se recolhe na camarinha. Recolhe-se para dormir o sono que só um sertanejo da caatinga pode ter.

Manoel Belarmino dos Santos
Enviado por Manoel Belarmino dos Santos em 27/01/2021
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