Porquê tanto divórcio?

Depois de ter palmilhado Lisboa, mantive-me, a custo, de pé, numa paragem de autocarro, em Sete Rios. O número 54 tardava em chegar e o que mais desejava era poder descalçar aqueles sapatos de salto alto que nos dão tanto prazer em usar, mas que nos causam tanta canseira. À medida que ia transferindo o peso do meu corpo, de um pé para o outro, tentava distrair-me para não sentir o incómodo e a demora. Atrás de mim, estavam duas mulheres que falavam animadamente, sem se preocuparem em serem ouvidas. É bem possível que desejassem uma audiência! E eu que não me furto nunca a observar e analisar cenas do quotidiano, resolvi registar a conversa.

“Porque é que há tanto divórcio?” Perguntava uma e, sem esperar que a outra desse resposta, continuou, no que mais parecia um monólogo: “À mais pequenina coisa, as pessoas separam-se. Já não é como antigamente. Antes, amava-se mais. Os dois lutavam, lado a lado. Não era fácil mas havia amor. Agora cada um luta por si e pelo que quer. Se vêem uma oportunidade melhor, lá vão eles…

As palavras daquela mulher fizeram-me pensar. Esqueci mesmo os pés doridos e a impaciência da espera. Não a via, mas ouvia-a distintamente. Não se cansava de afirmar, num tom persuasivo, que “noutro tempo havia mais amor”. A sua interlocutora concordava, com monossílabos e interjeições, em surdina. Entraram no mesmo autocarro e, enquanto tentava equilibrar-me para não cair rotundamente no colo de algum passageiro mais afortunado que eu, continuava a ouvi-la. Agarrada, com força, ao varão, amaldiçoando os sapatos e os contínuos solavancos, deixei o pensamento correr e conjecturei. Ama-se menos nos nossos dias? Será que o amor de outrora era diferente do de hoje? Será que a maior causa de divórcio é a falta de amor?

Será que antigamente havia menos divórcios por se amar mais e melhor?

Saberão dizer-me? É que eu não achei respostas para estas perguntas. No entanto, depois de alguma reflexão mais apurada, aventuro-me a deixar aqui alguns pensamentos com que, decerto, alguns não irão concordar.

Não seria mais o comodismo e sujeição de várias espécies que levariam os casais a ficarem juntos, mesmo que o amor faltasse?

Creio mesmo que, para muitos, não era o amor a uni-los e a fazer perdurar uma relação, mas antes uma conveniência.

Acredito também que, noutros tempos, os casais ficavam mais tempo juntos (em muitos casos uma vida inteira) por razões que não tinham nada a ver com o amor.

Devido a diferentes condições sociais, condicionamentos moralizantes, familiares e ainda económicos, as pessoas viam-se na situação crítica e frustrante de não poderem “sair” de um casamento falhado e agonizante. Permaneciam estóicos, ainda que sofredores.

Cá para mim o amor ou a falta dele não estão na raiz da proliferação de divórcios. Com a mudança dos tempos, a evolução dos indivíduos e maior reconhecimento dos seus direitos, criou-se uma abertura para assumirmos quem somos, o que queremos e não termos de nos sujeitar a viver na falsidade e no desamor.