Fortaleza

FORTALEZA

CRÔNICAS DA CIDADE DE FORTALEZA

(ANOS 50’s)

TÍTULO

“Nem todo macho é masculino e nem toda fêmea é feminina”

AUTORIA

PATRICIA EUGÊNIA UCHOA

Jornalista

Observação

(Os direitos autorais das fotografias postadas são reservados e são de propriedade dos autores)

“UMA FORTALEZA MEIO PROVINCIANA”

Fortaleza – Uma cidade de “muros-baixos”.

Essa é mais uma das “estórias” de uma Fortaleza “provinciana” com os seus modos peculiares, de gente ordeira e simples. Fortaleza, à época, com suas “lendas urbanas” e a sua maior “exigência” para adquirir um imóvel. – Para comprar uma casa, o interessado tinha que ver se era do lado da sombra ou do sol. Se fosse do lado sol tinha menor valor, pois essa condição desvalorizava o imóvel. Por essas e outras é que se tinha o pensamento e valores da época.

Fortaleza era também chamada de cidade de “muro- baixo” porque as residências antigas, as casas eram “geminadas” e tinham um muro baixo, que ficava no mesmo alinhamento das outras, quase num formato de vila. Essa característica construtiva permitia que todos os moradores soubessem quem entrava ou saia na casa do vizinho. Para “aqueles” ou “aquelas” que gostavam de bisbilhotar a vida alheia era um “prato cheio” ou quase um “hábito”.

- “Aquele que não gostar de falar mal da vida alheia, que atire a primeira pedra”.

Uma Fortaleza “provinciana”.

Era um hábito do passado, sentar-se do lado de fora da casa, na calçada, para “jogar saliva fora” ou falar mal do vizinho da esquerda para o da direita e vice-versa. Outro hábito comum era ir à porta do vizinho pedir um utensílio emprestado ou pegar um “bocadim” de açúcar pra adoçar o café, pois o “fulano” ia ter que sair cedo para trabalhar. Em alguns bairros, algumas pessoas mais “antigas” ainda guardam esses hábitos.

Com mescla de muros altos e baixos, as portas das casas costumavam ficar abertas, enquanto os portões da frente se trancavam. Alguns ainda mantêm o costume de chamar os vizinhos e juntar as famílias em festinhas na calçada aos domingos e conversar enquanto crianças e animais de estimação saem para brincar. Enfim, todos se conhecem, sabem a família de cada casa. Se “triscar” num dos vizinhos, todo mundo corre pra ver o que foi que aconteceu. Mas isso faz parte de um passado longínquo, puro e sem a violência de hoje.

Os Anos Dourados

A nossa “estória” se passa em dois locais, aqui de Fortaleza, que serão denominados, a seguir. Aqui vai um pouco de História. Decorriam os anos cinquenta, que eram chamados “Os Anos Dourados”. Os períodos dos grandes conflitos mundiais haviam acabado e então vieram os anos 50’s e neste cenário o mundo civilizado estava dividido entre os Estados Unidos e a União Soviética, capitalistas e comunistas, respectivamente, então, em extremos opostos.

Vieram também as divisões das economias nos outros países, cujos desenvolvimentos classificavam os demais em países de primeiro mundo e os países de terceiro mundo. Como não poderia ser diferente, o nosso Brasil estava enquadrado neste segundo bloco, e o governo de Juscelino Kubitscheck tentava tirar o Brasil dessa incômoda posição, que não mudou nada até os dias de hoje.

O Governo de JK

Apesar de tudo, os anos do governo JK abriram muitas “mudanças culturais”, ou seja, muito dos hábitos dos “primos ricos” americanos foram incorporados ao povo brasileiro e adotando um estilo de vida mais moderno. Como sempre, imitando o seu “primo rico”, os Estados Unidos, o “dono” das Américas. Baseado nas novas tecnologias modernas oriundas das descobertas durante as guerras mundiais, juntamente com o novo modelo industrial de produção em massa, cujos produtos invadiam as casas da “classe média” brasileira.

Utensílios domésticos como: as enceradeiras, os liquidificadores, as panelas de pressão, as vitrolas ou eletrolas de alta fidelidade (Hi-Fi) e televisores eram as grandes novidades que adentravam às casas dos mais abastados. Estes bens de consumo mudaram muito a vida dos brasileiros, que se consideravam os “novos ricos”. Era o retrato da “nova era moderna” que se vislumbrava no Brasil.

De James Dean a Elvis Presley – Os grandes “ícones” das Américas

Os jovens começaram a imitar James Dean, no cinema e Elvis Presley, na música. Era o início da “juventude transviada”, símbolo de rebeldia juvenil nos anos 1950, com as suas calças jeans e jaquetas de couro, que faziam a indumentária dos “machões” da época.

As roupas mais utilizadas eram as jaquetas de couro e a calça comprida apertada ao corpo. Na música, os moderninhos dançavam o “rock and roll” e o “twist” com seus topetes caídos na testa à moda “Bill Haley e seus Cometas”.

As indústrias da música e do cinema tornaram-se, extremamente, poderosas e influentes e, com isso, tanto na música, quanto no teatro, tem início uma série de protestos. A arte ganha tons revolucionários e contestadores. A isso, devia-se muito ao cenário exterior, exibido pelos Estados Unidos, a literatura, os movimentos feministas, as viagens “psicodélicas” e os movimentos civis a favor dos negros também. Imaginem que naquela época já existiam muitas campanhas antirracistas.

Todos esses momentos influenciaram os jovens brasileiros. As drogas do momento eram a maconha e o LSD. Vide notas abaixo sobre algumas drogas da época, anos 40 e 50:

NOTAS:

1) LSD = Alucinogênico

Descrição - LSD é a sigla de “Lysergsäurediethylamid”, palavra alemã para a “dietilamida do ácido lisérgico”, que é uma das mais potentes substâncias alucinógenas conhecidas.

2) METANFETAMINA

A metanfetamina é uma droga que faz parte das anfetaminas. Ela é um estimulante cerebral e seu uso prolongado pode causar, entre outras complicações, ansiedade excessiva e transtornos de personalidade.

Ela é uma substância ilícita e faz parte da mesma categoria da cocaína e da heroína.

3) PERVITIN

O Pervitin passou a ser comercializado na década de 30, como um estímulo recreativo para estudantes, sendo que, dez anos depois, a droga já era distribuída entre os pilotos da força aérea nazista (Luftwaffe). Já naquele ano, durante os três meses dos ataques implacáveis conhecidos como “blitzkrieg” (guerra relâmpago), cerca de três milhões de soldados, marinheiros e pilotos alemães consumiram mais de 30 milhões de comprimidos de Pervitin.

4) A AGILIDADE E A RESISTÊNCIA DOS SOLDADOS ALEMÂES NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

A grande agilidade e resistência que os soldados alemães tinham durante a Segunda Guerra Mundial não eram só oriundas do seu preparo físico, mas também de drogas para melhorar o desempenho, que eram propagadas generosamente entre as tropas, principalmente, as Waffen-SS. Os soldados eram submetidos às terríveis condições de batalha e tinham um desempenho maior sob efeito desses estimulantes, que também auxiliavam em transtornos de estresse. Assim, eles poderiam ser levados para além dos limites de seus corpos e mentes, ignorando o forte impacto a longo prazo que essas drogas poderiam causar. Os tóxicos eram distribuídos por oficiais médicos de ambos os lados: enquanto soldados britânicos permaneciam acordados com a anfetamina Benzedrine, tropas nazistas recebiam porções generosas da metanfetamina Pervitin. Ambas as drogas atuavam no aumento do estado de alerta e davam sensação de euforia e diminuíam o apetite.

Caixeiro-Viajante

Na época do ocorrido, existia a figura do “caixeiro viajante” que nada mais era que um representante comercial itinerante. O caixeiro-viajante é uma profissão antiga e refere-se a uma pessoa que vende produtos fora do local de onde eles são produzidos. Antigamente, quando não havia facilidade do transporte entre cidades, os caixeiros-viajantes eram a única forma de transportar ou vender produtos entre as diferentes regiões fora das grandes cidades.

O Brasil sendo um país com dimensões continentais, muito desses vieram a se tornar profissionais e eram comuns nas grandes cidades. Histórias e “estórias” são contadas nas calçadas, nas esquinas, os “causos” transmitidos entre gerações, lendas que se perpetuaram na tradição do Ceará e de suas cidades. O imaginário popular dos cearenses é rico e repleto de histórias dos mais diversos gêneros: algumas para assustar, outras para impressionar, algumas com fundo romântico ou sobrenatural, outras originárias do sertão ou nas periferias.

É aqui que se inicia o nosso “causo” ou a nossa “aventura”, como quiser chamar. E segue adiante a narrativa. A nossa “estória” teve como cenário o luxuoso Iracema Plaza Hotel e o bairro do Jacarecanga. Como “protagonistas” participaram um rico empresário local e sua filha de um lado e, do outro lado, um jovem caixeiro-viajante do Estado do Piauí. E é em cima disso que vai rolar a nossa “estória”.

Iracema Plaza Hotel – O “Copacabana Palace” do Ceará

No início dos anos 50’s (1951), o mercado hoteleiro da orla marítima de Fortaleza tinha dado a largada com a instalação do “Copacabana Palace” cearense. Era assim que os fortalezenses, da época, chamavam o famoso Iracema Plaza Hotel. Idealizado por Pedro Philomeno Ferreira Gomes, o suntuoso edifício tornou-se conhecido por sua arquitetura exótica inspirada em hotéis de luxo situados em Miami/EUA.

Este hotel era, frequentemente, comparado a um navio, além de ter sido o primeiro edifício de mais de três andares a ser construído na orla marítima de Fortaleza, ali na Praia de Iracema. Isso para a nossa cidade causava muito espanto e admiração, tanto pelos de fora, quanto pelos nativos da terra. O "personagem" da nossa "estória", o rapaz do Piauí, ficou hospedado aí nesse hotel.

Este empreendimento abriu as portas para as grandes edificações na orla marítima da cidade de Fortaleza. Catapultou o início do processo de construção de vários hotéis e prédios de luxo na Praia de Iracema e arredores, bem como da incrementação de muitos comércios. O “High Society” de Fortaleza usufruiu por três décadas do Iracema Plaza Hotel, juntamente com o restante da população que desejava hospedar-se no hotel. Era o grande “glamour” da época, porém, o seu final foi melancólico.

Agora, está transformado em ruínas, tornando-se apenas um ponto feio, onde outrora fora a “menina dos olhos” de todos que o apreciavam. Foi mais uma “vítima” de um descaso arquitetônico/cultural e histórico por parte da população e do poder público, resultado de um povo sem memória. A arquitetura é a arte de um povo de nível civilizado, cujo legado marca o seu grau cultural e histórico.

Imagem antiga do Iracema Plaza Hotel.

Edifício São Pedro

Nos dias atuais quem passa entre a Rua Arariús e a Avenida Historiador Raimundo Girão, e também, quem passeia pelo calçadão da Praia de Iracema, acaba encontrando um antigo prédio em ruínas com uma grande fachada coberta por muros de cimento e portas fechadas, protegido por grandes portões de ferro. Hoje em ruínas, mas o seu passado foi de muita glória e de grande “glamour” para o “High Society” de Fortaleza.

Hospedava grandes personalidades das artes, do mundo da política, bem como de grandes comerciantes, empresários, enfim, só gente “granfina”. Nós estamos falando do Iracema Plaza Hotel dos anos 50’s, mas hoje, chamado apenas de Edifício São Pedro. O prédio, ainda existente, é composto de sete andares inacabados, com mais de 60 anos de sua construção.

O Ocaso

No final da década de 1970, o hotel teve suas portas fechadas e tornou-se um prédio exclusivamente residencial, com um novo nome: Edifício São Pedro. Ao passar dos anos, o local serviu de morada para grandes nomes cearenses, como o cantor Ednardo e o jornalista Lúcio Brasileiro. Agora, com janelas fechadas por tijolos e portas bloqueadas por tatames, o Edifício São Pedro possui suas paredes em estado grave de degradação e é sinônimo de risco para quem passa por seu entorno.

O tombamento do Edifício São Pedro

Em 2015 teve o seu tombamento “provisório” aprovado por órgão municipal competente que foi o Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Histórico-Cultural (COMPHIC). Atualmente, não sei, mas acho que esse documento ainda aguarda a assinatura do atual prefeito da cidade de Fortaleza, para ter um tombamento definitivo. A princípio, o prédio foi projetado para ser um hotel, mas acabou dando lugar para apartamentos residenciais e comerciais.

O edifício é composto por sete andares, sendo que, o último andar ficou inacabado. São 200 apartamentos com uma área total de 12.000m². Além da atividade hoteleira, o hotel teve uma frequência bastante refinada, não apenas por ser um hotel de requinte, mas também por abrigar famosos restaurantes, como o “Restaurante Panela”, conhecido por todos os fortalezenses da época, que quisessem saborear uma culinária nacional e internacional.

O seu tombamento apresenta-se como uma alternativa de preservação das suas memórias e o resgate arquitetônico da sua história, por ter sido a primeira edificação do gênero a ser toda construída em concreto armado numa época de uma Fortaleza de alpendres e muros baixos. O edifício tornou-se um marco histórico por ser o primeiro hotel da cidade voltado para o mar, quando em toda cidade, construía-se de costas para o mar.

O Edifício São Pedro significa preservar uma referência para a cidade. Cada cidade tem um tipo de edificação com a sua característica peculiar e isso diz muito sobre o poder econômico de cada época. E com Fortaleza não poderia ser diferente. A característica da edificação guarda o começo da década dos anos 50’s, tempo em que se iniciou a sua construção, que até hoje não foi concluída.

Bairro do Jacarecanga – O outro “cenário” da nossa “estória”.

Em primeiro lugar vou lhes apresentar o Bairro do Jacarecanga, lugar onde floresceu a elite de Fortaleza, transformando-o num bairro aristocrático e local dos “acontecimentos”, parte dessa narrativa. O Jacarecanga é um bairro do município de Fortaleza, localizado na zona oeste da cidade, próximo ao centro. Aí, nesse bairro, nasceu a nossa outra “personagem”.

Jovem bonita, bem educada e com belo porte físico, cuja origem era aristocrática e de alto poder econômico, diferente do seu “promitente cônjuge” ou “promitente comprador”, como queiram chamar, o qual era apenas um “caixeiro-viajante” ou um simples rapaz “latino-americano”, com pouco dinheiro no bolso, mas disposto a encarar aquela situação. Mas também um atento às oportunidades que a vida pode lhe oferecer, é claro. Um “aventureiro” numa cidade grande. Parece um romance, vocês não acham? Então vamos lá.

Bairro Jacarecanga – Avenida Philomeno Gomes – Edificação dos Anos 20

Bairro Jacarecanga – Praça Fernandes Vieira – Edificações dos Anos 40

Bairro Jacarecanga – Avenida Philomeno Gomes – Edificação dos Anos 50

Bairro Jacarecanga – Casas residenciais da Vila São José

Colégio Liceu do Ceará – Praça Gustavo Barroso

Bairro Jacarecanga – Escola de Aprendizes Marinheiros do Ceará – Foto atual

O Histórico do Bairro do Jacarecanga

Da sua fundação até às décadas dos anos 40’s, no século XX, o bairro do Jacarecanga viveu o seu apogeu, quando neste residia quase toda a elite de Fortaleza. Basta observar os nomes que estão gravados nos túmulos construídos no cemitério São João Batista. A vista para o mar vislumbra uma beleza natural e sem igual. Fortaleza é uma cidade construída à beira da orla marítima com todo esplendor e beleza naturais. Porém com a mudança da zona portuária para o Mucuripe, o bairro da Aldeota tornou-se o bairro da elite cearense.

Nos anos 70’s, com a construção da estação de tratamento de esgotos na praia do Jacarecanga, este bairro sofreu uma grande desvalorização imobiliária por conta do mau cheiro exalado, decorrente da estação de tratamento de esgoto. Era um bairro muito católico, que abrigava várias instituições religiosas, como: O Instituto Bom Pastor, Capela das Filhas de Sant’Ana, Colégio Rosa Gatorno, Igreja dos Navegantes e a Igreja de São Francisco de Assis, além da Escola de Aprendizes Marinheiros, entre outros.

Atualmente, no bairro também se localiza o Cemitério São João Batista (Fortaleza), o qual foi construído em 1866. Este bairro ainda sedia o Liceu do Ceará, desde 1937, o Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará, a Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho e o Colégio Militar do Corpo de Bombeiros do Ceará.

Hermafroditismo

Antes de adentrar ao assunto, propriamente, vamos falar sobre alguns conceitos e definições do tema que iremos abordar nessa narrativa. Estamos falando do “hermafroditismo”. Para quem não sabe ou nunca ouviu falar, esse fenômeno refere-se ao indivíduo que pode funcionar tanto como macho ou como fêmea, ou seja, cada animal pode conter ovários e testículos, sendo que, desse modo, pode ser capaz de produzir ovócitos e espermatozoides, ainda que não, necessariamente, ao mesmo tempo.

Quando os gametas masculinos e femininos estão presentes ao mesmo tempo no animal, diz-se que esse ser é “hermafrodita simultâneo”, mas em outros casos existe uma reversão do sexo funcional durante o ciclo de vida e o animal é dito “hermafrodita sequencial”. Mas isso é um assunto muito acadêmico que não faz parte do conteúdo da nossa narrativa, portanto, aparecendo apenas como um “cunho” informativo. A título de esclarecimento seguem abaixo alguns conceitos e definições de autoria dos “experts” no assunto, o que não é a minha “praia”.

Conceitos e Definições com os créditos para os autores

NOTA

O gonocorismo (forma adjetiva: gonocorístico ou gonocórico), ou dioicia (forma adjetiva: dióica), se refere ao fenômeno no qual organismos possuem os sexos separados, ou seja, cada espécime é exclusivamente macho ou fêmea, produzindo, respectivamente, gametas masculinos e gametas femininos.

Biologia

- A presença dos dois sexos e/ou de caracteres secundários dos dois sexos num mesmo indivíduo; androginia, androginismo, girandria, girandrismo.

Medicina

- Trata de uma afecção congênita rara, caracterizada pela presença, em um mesmo indivíduo, de tecido ovariano e tecido testicular; também. chamado de hermafroditismo verdadeiro.

Morfologia Botânica

- A concomitância de androceu e gineceu em uma flor.

Sexo e Gênero – Macho e Fêmea

Sexo e gênero, ao contrário do que alguns imaginam, não significam a mesma coisa, não devendo, portanto, serem confundidos entre si. A verdade é que os homens, em geral, seguem pertencendo ao sexo masculino, enquanto as mulheres, também em geral, pertencem ao sexo feminino.

Há uma correlação bem significativa no trato com os dois gêneros, razão pela qual nós nos acostumamos a tratar alguém do sexo masculino como ‘homem’, assim como nos habituamos a tratar alguém do sexo feminino, como “mulher”. Porém, não há uma correlação absoluta nos conceitos, destarte que, a distinção entre o “macho” e a “fêmea”, e nem sempre coincide com a distinção entre “homem” e “mulher”. Mas isso, vamos deixar para os biólogos e os médicos que tratam com mais propriedade e conhecimento sobre o assunto.

Para aqueles que são mais “ligados” ao assunto, aqui vai uma sugestão de filme do gênero, onde num dos episódios é abordado uma pequena história bem interessante e hilária. Eu assisti a esse filme no Cine Diogo, no tempo em que tinham as matinais. Que saudade daqueles tempos! Com certeza vocês irão gostar e vão poder rir das situações criadas pelos personagens do filme. Trata-se de uma comédia italiana de 1966, dividida em 03 episódios, portanto, divirtam-se!

Sobre o Filme

TÍTULO DO FILME: “ESSES NOSSOS MARIDOS”.

Gênero: Comédia Italiana - Filme completo – Ano: 1966

Classificação -16 anos

Duração: 105 minutos - Vídeo HD com o filme completo

NOTA (1)

Esse filme é composto por três episódios separados e o que têm em comum é a descrição das vicissitudes da vida de casado, combinado em uma loucura cômica.

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Primeiro filme:

"O marido de Roberta" – Sinopse: Ela queria ser humana;

Segundo filme:

"O Marido de Olga" – Sinopse: Ela deveria ter um filho, se quisesse herdar uma grande fortuna;

Terceiro filme:

“O Marido de Attila" – Sinopse: Trata-se de um caso de ciúme costumeiro.

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Elenco do Filme “Esses Nossos Maridos”: Atores e Atrizes:

Alberto Sordi, Nicoletta Machiavelli, Alessandro Cutolo, Elena Nicolai, Jean-Claude Brialy, Michèle Mercier, Akim Tamiroff, Lando Buzzanca, Ugo Tognazzi, Liana Orfei, Claudio Gora, Tecla Scarano, Giulio Rinaldi, Corrado Olmi, Mario Frera e Rosita Pisano.

NOTA (2):

O filme completo foi visto na Europa e estreou nos cinemas do Brasil em 1966, sendo editado em Blu-Ray e em DVD. Foi vendido algum tempo depois de seu lançamento, oficialmente, para os cinemas do Brasil.

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A nossa “estória”

Fortaleza tinha uma postura, ainda meio “provinciana”, onde as moças da época eram muito recatadas, portanto, não se expunham ao ridículo, tampouco se deixavam envolver em “fuxicos”, pelo medo de cair na “boca miúda” ou no “falatório popular”. Na linguagem da época, ia ficar muito “feio” pra moça e, principalmente, para a sua família. Era mais ou menos assim.

A jovem em questão era tida como “estranha” e tal comportamento chamava a atenção dos seus pais e também dos parentes, bem como dos amigos mais próximos. Mas já estavam acostumados com o seu “jeito esquisito” de ser. E assim a vida seguia, haja vista o conforto que tinha e era muita assediada pelos rapazes do seu convívio social, como um bom partido para um casamento sólido e com um futuro garantido.

A instituição de um “dote” para casar a filha

O seu pai, homem rico e poderoso, sonhava para que a filha conseguisse um marido para dar-lhe muitos netos e constituir uma prole com muitos herdeiros. Enfim, o sonho de todo pai que só tem uma filha. Com o passar do tempo, esse sonho foi ficando distante, haja vista que, da parte da moça, não havia interesse nenhum em arranjar, sequer, um namorado, ou seja, ela não estava “nem aí” pra homem e, muito menos, casar. Isso não estava no seu “script”.

Daí, para desespero do seu pai, este resolve partir para uma empreitada mais ousada, como sendo, instituir um “dote” para quem quisesse casar com a moça. Mas como anunciar e/ou tornar público algo tão delicado e íntimo dentro de uma família importante?

NOTA

O “dote” constituía-se na transferência de propriedades dos pais, como presentes, dinheiro ou outros bens quando ocorre o casamento de uma filha. O dote contrasta com os conceitos relacionados de preço de noiva. Mas antigamente havia esses recursos “casamenteiros”, muito utilizados em famílias ricas e importantes para manter a linhagem e o “status” de quem tinha o sangue “nobre”. Pelo menos, era assim que os “coronéis” da época procediam com as suas filhas.

Eis que lhe surge uma ideia, digamos assim, não muito “brilhante”, mas o seu desejo de ter um neto era muito grande e, assim, poria toda a sua imaginação em funcionamento para conseguir o seu intento. Qual era essa ideia? Colocar um anúncio nos jornais da cidade oferecendo um “dote” aquele que se casasse com a sua filha. É lógico que esse anúncio soou muito estranho na cidade. O porquê de tal oferta, se a moça era muito bonita e desejada por todos os ilustres pretendentes da época?!

Como dizia “Dona Milu” – Mistério... - O bordão de Dona Milu (Miriam Pires) que pegou e caiu no gosto do público brasileiro. Para quem já não se lembra da novela Tieta, Dona Milu era a mãe de Carmosina (Arlete Salles) que se tornaram as duas grandes e marcantes personagens da antiga novela exibida, em 1989, pela Rede Globo de Televisão.

Bem, então vamos lá com a nossa “aventura idílica”, à procura de um “príncipe” para a moça.

Um anúncio muito “estranho”

O anúncio, além de soar muito “estranho” aos ouvidos de quem já conhecia a moça, chamou a atenção, também em outros recantos do Estado. Correu mundo afora, como diziam, à época, os “curiosos de plantão” que ficavam nas praças especulando sobre o assunto. Principalmente, na Praça do Ferreira, imaginem a repercussão no local mais badalado da cidade, que até virou piada.

O pai da moça ficou meio transtornado com a repercussão do evento, mas levou adiante o seu intento, não importando o custo disso tudo. O mesmo ficou aguardando, ansiosamente, que algum candidato aparecesse, enfim o valor do dote era muito significativo, além de colocar o promitente e futuro genro nas altas rodas da sociedade da época. Era como ganhar na loteria e ao mesmo tempo receber uma herança.

O rapaz do Piauí

Eis, que para sua surpresa, aparece um “ilustre desconhecido”, um “gajo” do Piauí, procedente de Teresina, capital. Era um “caixeiro-viajante” que estava hospedado no Iracema Plaza Hotel, o mais requintado e famoso hotel da cidade de Fortaleza. Ao ler os periódicos da cidade, o rapaz do Piauí ficou surpreso com aquele tipo de anúncio, pois nunca houvera visto ou ouvido falar em sua vida, alguém oferecer um dote para casar uma filha, tida por todos, como uma bela e rica jovem de família importante da cidade.

Mas era o que estava escrito no jornal e não pairava qualquer dúvida sobre quem o lesse. Achou até que era uma brincadeira local. Mas não era o caso.

Enfim, as “estórias” são contadas nas calçadas, nas esquinas e nas praças, como também, os casos e os “causos”, que são transmitidos entre as gerações, e ainda, as lendas urbanas que se perpetuam na tradição do imaginário popular e nas cidades. O imaginário popular do povo cearense é bastante rico e cheio de histórias e “estórias” dos mais diversos gêneros.

Sejam elas para assustar ou para impressionar, com fundo romântico ou de tom jocoso. Sejam as histórias oriundas do sertão ou das periferias, que terminam fazendo parte da tradição, e que são transformadas no universo das culturas vivas na mente do povo. São histórias que, fictícias ou não, fazem parte das recordações de todo bom fortalezense, e que na atualidade, se valem de outros suportes como o rádio, o jornal e a internet para se recriar.

NOTA (1)

Vale lembrar, que na época, os principais veículos de comunicação eram o rádio e os jornais. A televisão chegou ao Ceará somente em 1960, com a TV CEARÁ - Canal 2, que era afiliada da Rede Tupy. (É o novo!) – Jargão popular no idioma “cearês”, já na sua última “revisão” atualizada.

NOTA (2)

No repertório da cantora Wanderléia existe uma musica gravada que fala do “rapaz do Piauí”.

O título dessa música é “Sem Endereço” - Gravada em 1964.

Observação: Não sei se a letra tem a ver com o caso.

Letra da Música: Sem Endereço

(Composição: Chuck Berry / Rossini Pinto)

Em meado de janeiro uma carta eu recebi

Numa tarde ensolarada cuja data eu me esqueci

Nessa carta o remetente se esqueceu de dar o nome

No envelope só trazia: Teresina, Piauí.

Na mensagem de ternura declarava o seu amor

Se dizia abandonado sem ninguém, sem um olhar

Passei horas meditando na mensagem que eu li

Sem querer eu fui gostando do rapaz do Piauí.

Sempre que eu ouço alguém falar em Piauí

Eu sinto uma saudade do rapaz que eu nunca vi

Vive longe, tão distante, mas é meu seu coração

Quanto mais o tempo passa

Mais aumenta esta paixão.

Esta é minha história, toda cheia de emoção

De alguém sem endereço que soluça em solidão

Se ele ainda me adora

Ou se acaso eu o perdi

Quero que alguém pergunte

Ao rapaz do Piauí.

O interesse do rapaz do Piauí sobre o “inusitado”

Diante do exposto no anúncio de jornal, o rapaz do Piauí ficou curioso, bem como também interessado no assunto. Enfim, não era todo dia que surgia uma tão profícua oportunidade de se dar bem na vida, já que era solteiro e não tinha compromissos futuros com ninguém. Não deu outra e tratou logo de apresentar-se como candidato ao fortuito dote. Tinha a seu favor, o fato de não ser de Fortaleza, portanto, era um ilustre desconhecido e isso poderia facilitar as coisas.

Conhecido o endereço da jovem, este se dirigiu até a casa dela, que estava situada no bairro do Jacarecanga, no logradouro principal, ali na Avenida Philomeno Gomes. Chegando ao luxuoso endereço, o rapaz procurou o pai da moça e identificou-se como um promitente candidato, porém falou que tinha levado a sério a oferta, mas o que estava mesmo em jogo era conhecer a moça, por conta dos comentários que falavam da sua inigualável e da sua grande beleza física.

Naturalmente, esses comentários encantaram o pai da moça, que no momento, levaram um brilho de esperança aos seus olhos. Até que enfim havia chegado o tão esperado momento. Para encanto do velho, este também simpatizou com o rapaz, dada a sua educação e “finesse” no trato com o caso. Unira a fome com a vontade de comer. Após o primeiro contato, o velho tratou de chamar a filha para apresentá-la ao simpático rapaz, que ao vê-la, cobriu-a de elogios e encantos, deslumbrado com a sua encantadora beleza.

Até então, nada havia de estranho nela, muito pelo contrário, ela apresentava-se com uma exuberante elegância e uma graça caída dos céus e, ainda por cima, muito rica e educada. Tinha tirado a sorte grande, pois sem pestanejar, logo casaria com ela, pensou ele. Cumprindo os costumes da época, o rapaz perguntou, educadamente, se poderia cortejar a moça, visto que ele não era de Fortaleza e estava em viagem de negócios, identificando-se como caixeiro-viajante, atividade bem vista, à época, pelos pais interessados em bons partidos para desposarem as suas filhas.

Pairou sobre o rapaz uma curiosidade e muitas dúvidas

Após os primeiros momentos de euforia de ambas as partes, o rapaz despediu-se do velho e da moça, pois teria que retornar ao hotel e, no dia seguinte, à noite, viria convidá-la para sair com ele. Antecipando-se ao rapaz, o velho, de pronto, já permitiu o passeio com a sua filha, inclusive oferecendo-lhe o carro da moça para saírem juntos. Diante de tamanha presteza, o rapaz ficou meio espantado e curioso com tantas gentilezas e num espaço de tempo tão curto. O que não era pra menos. Qualquer um ficaria.

Mas este se despediu e ficou combinado, que no outro dia, voltaria para conhecer melhor a sua candidata à futura esposa. Ficaram saindo juntos por uma semana, até que o rapaz comunicou ao pai da moça que teria de retornar a sua terra natal para tratar de assuntos de ordem pessoal, mas que retornaria para Fortaleza, logo que ficasse livre. E assim aconteceu. Isso durou por uns três meses, mais ou menos e aqui não vem ao caso.

Seguindo adiante, a alegria esboçada pelo pai da moça era contagiante, pois havia encontrado a solução para a sua longa e amargurante espera. Enfim, encontrara o tão esperado genro. Em casa era só alegria e festa. Já anunciara aos familiares e aos amigos mais próximos, que em breve, ocorreria o casamento da filha, e que de uma vez por todas, iriam cessar os maus comentários sobre o seu comportamento “estranho”, como diziam as “más línguas”

Dessa vez vai dar certo, bradava o velho aos quatro ventos, tamanha era a sua euforia. Toda essa alegria também fora compartilhada com os rapazes do convívio social da moça, mas com certa desconfiança, sobre que o velho teria dito ao rapaz, já que este havia esquecido, por enquanto, sobre o dote instituído para casar-se com ela.

Uma curiosidade

Ao chegar à sua terra natal, Teresina, o rapaz comentou com alguns amigos de confiança, bem como, de alguns familiares sobre o acontecido em Fortaleza. E não deu outra. Como este inusitado fato despertou a curiosidade de todos para quem ele contou a história, ninguém estava acreditando naquilo. Parecia mais um conto de fadas, tirados de histórias infantis, já que era demais para ser verdade. Era essa a opinião de todos sobre o caso.

Intrigado com o fato, um dos seus irmãos indagou-lhe sobre não ter percebido nada diferente com essa moça, dada a descrição de sua formosura feita pelo irmão empolgado com a noiva. Tudo aquilo era, antes de tudo, muito curioso e que despertava uma grande expectativa. Passado o primeiro momento, eis que o rapaz do Piauí procura logo resolver as pendências em seu negócio, no Piauí, devendo retornar em seguida para Fortaleza.

Ao chegar a Fortaleza, novamente, manteve o mesmo procedimento que foi o de hospedar-se no Iracema Plaza Hotel. Nesse momento, manter o “status” era muito importante, pois a moça viria apanhá-lo naquele mesmo dia, com destino à sua residência.

Para alegria do pai da moça, o namoro já havia se consolidado e um noivado já estava à vista, para a grande satisfação de todos. Um pedido de casamento já estava sendo preparado.

Entrando na intimidade

Já gozando de certa “intimidade” com a “futura”, este perguntou pra ela, o que tinha levado o seu pai à constituição de um dote para quem casasse com ela. Ela permaneceu em silêncio por alguns momentos, no entanto, com alguma desenvoltura, respondeu-lhe, que para ela, era muito difícil, arranjar um marido adequado, tendo em vista a sua posição social e uma condição financeira elevada. Porém a resposta da moça não o convenceu, já que ela tinha muitos amigos nas mesmas condições que a dela, não encontrando nenhuma lógica na resposta.

Então, ambos prosseguiram com o namoro, mas ele sempre com uma “pulga atrás da orelha”, portanto, aguardando outra oportunidade. O namoro seguia, então, às mil maravilhas, com o rapaz esquecendo um pouco a resposta à sua curiosidade, que só ia aumentando. Mas era algo que podia esperar o momento adequado. Durante esse período, o rapaz do Piauí foi abordado por um dos amigos da garota, que pediu para falar com ele, mas em particular.

Essa atitude do rapaz chamou-lhe a atenção. Marcaram o encontro no saguão do hotel onde o rapaz do Piauí encontrava-se hospedado e partiram para a importante conversa. Este ficara muito ansioso e curioso, diante daquela postura do amigo da sua namorada e preste a tornar-se a sua noiva. Mas sua curiosidade estava muito além da sua expectativa em satisfazer a sua vontade de ouvir a história do rapaz, amigo da moça.

Uma visita inoportuna

A conversa teve início com uma pergunta á “queima roupa” da seguinte forma. – “Você tem certeza de que casaria com ela, se não existisse um dote?” – Em princípio, o rapaz do Piauí ficou mudo. Não sabia como responder àquela pergunta, que para ele não fazia muito sentido, mesmo sabendo da existência do dote, instituído pelo pai da moça.

Ele pensou e respondeu: - “Não! Ela é muita bonita e rica, portanto, não precisa de nenhum dote para arranjar um marido.” – Respondeu também em tom muito seco. – “Mas o que você tem a ver com isso?” – Perguntou este ao amigo da moça. – “Você veio aqui ao hotel somente para perguntar isso?” – Prosseguindo, o amigo da moça pediu-lhe desculpas por ter sido muito inoportuno, mas na saída, alertou-lhe: - “Pense bem no que vai fazer, para não se arrepender depois”. E foi embora do hotel, deixando o rapaz do Piauí ainda mais pensativo e também com muitas dúvidas.

Depois desse encontro, o rapaz do Piauí ficou a pensar, por que o amigo da moça ter-lhe-ia dito aquilo, sem que não houvesse um motivo muito forte. Muitas dúvidas pairavam sobre a sua cabeça, que fervilhava causando-lhe uma grande confusão. No dia seguinte, este retornou à casa da namorada com o intuito de observá-la melhor, ver o seu comportamento e os seus hábitos de rotina, enfim, fazer uma investigação mais profunda. Naquele dia, nada acontecera de anormal com ela, muito pelo contrário, tornava-se cada vez mais afetuosa e tratava-o com muito respeito, carinho e atenção.

E muitas dúvidas

Nesse interim, ele já tinha acesso às dependências da casa, que era muito grande, e também ficou conhecendo os empregados que ali trabalhavam. Os empregados eram em número de quatro, nas seguintes funções: 01 cozinheira, 01 jardineiro, 01 camareira e 01 motorista, sendo que, este último era com quem tinha maior aproximação, tendo em vista que era este motorista quem o transportava para o hotel, na ida e na volta. Conversa vai e conversa vem, os assuntos começaram a rolar dos mais variados tipos. Até aí, tudo normal.

Outro detalhe importante, é que durante esse tempo de namoro com a moça, o rapaz do Piauí teve poucos contatos com a mãe dela. Teve o primeiro contato no dia da apresentação geral junto com o pai e depois, somente em dois ou três momentos, não mais que isso. Mas pra ele, até ali, nada demais havia ocorrido que o levasse a suspeitar de algo mais grave ou comprometedor. Seguiam-se os dias na rotina costumeira, do hotel para a casa da moça e vice-versa, as variações ocorriam nos passeios e em viagens esporádicas, nada mais.

Conhecendo a família e o interior da casa

Durante o seu tempo como observador e já conhecendo as dependências da enorme casa, este percebeu que a camareira era uma mulher de porte físico avantajado, diferente dos demais, e isto lhe chamou a atenção. Outro detalhe, a camareira dirigia-lhe um olhar, meio esquisito, dando-lhe a impressão de uma “paquera” ou um olhar com “outras intenções”.

Isso o deixou meio constrangido, pois ficou receoso de que surgisse algum mal entendido, podendo causar maiores problemas com a família da moça. Isso passou despercebido. Outra coisa, além do quarto da moça, havia também outro quarto contíguo ao dela, que somente a camareira, tinha autorização para entrar nesse quarto. Nem a mãe dela entrava.

Com o passar do tempo, já andando e conhecendo a casa, certa vez encontrou o quarto da moça com a porta entreaberta e viu que havia, no fundo do quarto, uma porta que dava acesso ao quarto contíguo, que só a camareira entrava. Isso o intrigou ainda mais, posto que, essa camareira continuava com aquele alhar de quem queria lhe falar sobre alguma coisa e que o incomodava.

Isso soava entranho pra ele, que após dissipar as dúvidas de segundas intenções acerca da camareira, viu que se tratava de outra coisa. A cozinheira era uma senhora de meia idade e já morava com a família há muito tempo. O jardineiro era uma pessoa comum e que não despertava nenhuma atenção e dormia em um quarto nos fundos, algo comum na época.

Daí então começou a observar com mais atenção às “estranhezas” que aconteciam dentro da casa. A sua cabeça fervilhava de dúvidas que aumentavam cada vez mais. Outro fato relevante era a relação entre a moça e a sua mãe dentro de casa, pois quase não se falavam e ele não sabia o “por que”. Aquilo também o incomodava muito. Depois ficou sabendo que a moça tinha mais dois irmãos, mas que estavam em estudos fora do Brasil.

Desse modo ela se tornava quase que, uma filha única, gozando de todos os privilégios da família. Ela não era muita de estudar, mas isso era irrelevante, já que não precisava de nada e tinha tudo. Na época, isso não era muito exigido das mulheres, pois eram educadas para serem esposas e cuidar da família e do lar, nada mais que isso. Costume da época.

As amizades e as relações com a família

Durante esse tempo, as amizades da moça diminuíram a frequência na casa, inclusive do amigo que iremos chamar de “M” e que o visitou no hotel. Aquele incidente soou pra ele como uma “cena de ciúme”, já que o rapaz “M” era muito próximo da moça, quando a conheceu. Ele entendeu como um desabafo por ter perdido uma grande oportunidade de casar com uma moça rica. Mas não era isso.

Vocês leitores irão entender o “porque” no epílogo dessa dramatúrgica e/ou romanesca “estória”. Vamos adiante. O afastamento dos amigos da moça foi visto como uma circunstância do noivado, bem como da proximidade do casamento. Isso era um fato normal porque a futura senhora já gozaria da sua privacidade com o seu futuro marido, portanto, mas que oportuna a sua atitude.

Diante do ocorrido entre “M” e o rapaz do Piauí, este perguntou para a moça, se antes teria havido algum namoro entre eles ou algum flerte. Até então, ela não sabia da visita de “M” ao hotel, fato que não relatou a ela, guardando-o para si até aquele momento. Ela perguntou-o sobre o que havia ocorrido entre eles. Ele a respondeu de forma simples, para não ter mais delongas sobre o fato. O assunto fora encerrado ali e pronto.

A aproximação do pedido de casamento

Já haviam se passado meses de namoro e o grande momento havia chegado para o pedido do tão esperado casamento. Era só alegria da parte do pai da moça. Já se falava numa grande festa e com uma “lua de mel” nos Estados Unidos. Estavam vivendo um momento fantástico. No quotidiano da vida caseira e já participando das atividades na casa da futura esposa, eis que em determinado dia chega um médico procurando pelo pai da garota.

Surpreso, pois nunca houvera visto aquele “Dr. João” na casa e a sua presença chamou-lhe a atenção, pois desconhecia que havia alguém doente na casa. Surpresa maior ainda foi quando soube que o citado médico havia vindo para ver a sua futura esposa. Isso lhe deixou muito preocupado. Enfim, o que estava acontecendo com a moça, que ele não sabia? Estavam lhe escondendo algo que ele não deveria saber? Aquilo o deixou mais intrigado ainda, e não era pra menos.

A presença daquele médico ali na casa e com a aproximação da data do seu casamento, tudo estava “torrando” o seu cérebro. Já não estava entendendo mais nada. Diante daquilo tudo, só lhe restava observar o que estava acontecendo e ter as respostas certas, vindas do pai da moça. Feitas as apresentações entre o rapaz e o médico, a noiva o chamou para uma sala de reuniões, onde o seu pai já os aguardava para uma conversa mais particular.

A conversa em particular com o casal

A conversa entre as partes aconteceu numa linguagem estranha para o rapaz do Piauí, pois os termos médicos que rolaram estavam muito além do seu nível de escolaridade, bem como do seu conhecimento. Com o seu nível de instrução ficaria difícil para ele entender aqueles termos usados na medicina. A sua noiva permaneceu em silêncio durante toda reunião.

Segue abaixo o teor da conversa que “rolou” durante a reunião entre as partes:

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O Pai da moça

- Fulano, o nosso amigo “Dr. João” é o médico da nossa família, já há muito tempo, e veio aqui para termos uma conversa muito “especial” sobre a minha filha, a sua futura esposa. Para sua tranquilidade, não se trata de nenhuma doença grave. Trata-se apenas de pequeno problema na sua “estrutura biológica”, que o doutor vai explicar mais, detalhadamente, pra você.

O Dr. João

- Senhor Fulano, a sua noiva (futura esposa) tem um problema de “nascença”, como o seu “sogro” falou, chamando de “estrutura biológica”. Esse problema para ser resolvido, de uma vez, vai ser necessário uma cirurgia e não vai ser no Brasil. Tem que ser em outro país, onde a medicina esteja mais avançada que a nossa. Mas se acontecer, eu vou acompanhar, você não se preocupe. Tudo isso é para a felicidade do futuro casal.

O rapaz do Piauí

Dr. João eu gostaria de saber mais detalhes sobre isso, apesar de não ter conhecimento sobre o assunto, mas que ela vai ser a minha esposa e nós pretendemos ter filhos como qualquer casal. Por que somente agora é que eu estou sabendo disso? Estou preocupado, apesar de o senhor afirmar que eu posso ficar tranquilo. Que problema de “nascença” é esse?

O Dr. João

- Senhor Fulano, a sua noiva (futura esposa) já nasceu assim. Não foi culpa dela e nem dos pais dela. Esse problema que ela tem pode acontecer com qualquer um de nós. Para ser mais preciso, ela nasceu com um defeito congênito e a medicina vai resolver isso, de uma vez, para vocês serem felizes.

A cirurgia faz-se necessária porque não pode ser tratada, através dos métodos convencionais e tem que ser em outro país, onde a medicina esteja mais avançada. No Brasil, esse tratamento não vai ser possível. Mas não se preocupem que vai dar tudo certo.

O Pai da moça

Bem, Fulano, agora que estamos esclarecidos, a sua “lua de mel” vai ser nos Estados Unidos, quando uniremos o útil ao agradável. O Dr. João vai acompanhá-los na viagem e também na cirurgia, que vai ser realizada na minha filha. Quando retornarem, vocês irão morar lá na casa de vocês. Para mim está tudo ótimo e vamos ter um final feliz!

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A conversa pós-reunião entre o casal

Após a conversa entre as partes, o casal resolveu ficar a sós por alguns momentos e para esclarecer melhor aquela “estranha doença” que ela tinha, da qual não havia lhe falado. O rapaz do Piauí inquiriu a moça pedindo mais esclarecimentos, enfim eles iriam se casar.

Esta, em tom muito calmo e educado, disse-lhe que não sabia os detalhes sobre o que ela tinha e que apenas os seus pais sabiam. Não lhe davam maiores explicações a respeito A sua mãe a rejeitava e por isso mantinha-se indiferente para com ela e ao seu “estranho” comportamento e que ela não tinha culpa por nada. Assim falou para o noivo.

Passados os dias pós-reunião, eis que o pai da moça pediu para conversar apenas com o casal, à parte, e tratar sobre o casamento e a posterior “lua de mel” nos Estados Unidos.

Para o rapaz do Piauí, as coisas estavam correndo de uma forma muito rápida, haja vista a convocação do médico da família para aquela reunião pra falar de cirurgia, doença congênita e outras coisas mais, que estavam muito confusas na sua cabeça. Tudo soava muito estranho pra ele. Mas o pior é que estava apaixonado pela moça e não queria desmanchar o noivado.

Ficou pensativo, mas mesmo assim, resolveu levar adiante o seu intento. Iria casar com a sua amada assim mesmo, já estava decidido.

Os preparativos para o Casamento

Nesse meio tempo, a atenção de todos estava voltada para o grande evento – O Casamento. Preparativos para a festa, convites, vestido de noiva, a festa, os “comes e bebes”, enfim, tudo que um grande momento podia requerer e exigir.

Durante esse tempo, uma coisa que ele não havia esquecido era o detalhe do quarto contíguo ao da moça e o porquê da porta de acesso entre os dois cômodos. Estava muito curioso sobre aquele detalhe. E mais ainda! Por que somente a camareira tinha acesso a ele? – Mistério!

Continuando, o rapaz do Piauí ficou a espreitar a camareira, quando essa fosse adentrar o tão “misterioso” quarto e ao fazer a arrumação como de costume. O que tinha diferente lá dentro? A camareira percebendo a sua curiosidade, aproveitou-se de um momento e trancou o quarto com a chave que possuía, não lhe dando chance à sua expectativa de descobrir o que tinha lá dentro. A curiosidade continuou e só aumentou de intensidade.

Um detalhe que o rapaz do Piauí observou: A moça não usava trajes femininos quando estava em casa. Só vestia calças compridas, camisas de mangas longas e botas masculinas, o que era muito estranho para a época. Dificilmente usava vestidos, usava-os somente para sair com o ele, à noite. Não era muito, digamos assim, “chegada” a trajes femininos.

O “mistério” do quarto contíguo

Continuando a descobrir o que havia de misterioso naquele quarto, o rapaz ficou a espreitar novamente a camareira. Aproveitando-se de um descuido da mesma, este se escondeu no quarto da noiva e ficou esperando a camareira sair, para poder entrar no tal quarto “misterioso”. Qual foi a sua surpresa e o que encontrou de diferente lá dentro? No quarto da noiva nada tinha de diferente de outros semelhantes para uma jovem solteira. No interior do quarto dela havia uma cama de solteira, um guarda-roupa e um mobiliário típico de um quarto feminino.

Nada mais que isso e, até aí, tudo normal. Porém no quarto do “mistério” havia uma cama de casal (bastante grande), um guarda-roupa (que no momento estava trancado com chave), uma cadeira muito “estranha” (para ele e para época) e outros objetos que não sabia para que uso. Esse cenário deixou-o boquiaberto. Enfim, qual era a finalidade daquele quarto? – Mistério!

Após a “descoberta”, a sua curiosidade ficou ainda mais aguçada, o que não era prá menos, ao encontrar toda aquela parafernália de coisas “bizarras” num quarto de uma noiva que estava prestes a se casar. Mais mistério ainda! Depois disso, o rapaz do Piauí ficou muito preocupado com o que iria acontecer no futuro.

Era muita coisa “estranha” acontecendo e num espaço de tempo tão curto, deixando-o com a cabeça fervilhando. Até pensou em desistir do seu intento. Tudo que ele viu, não informou para noiva, deixando as coisas acontecerem e esperando um momento mais adequado para conversar com ela. Antes disso, ele passou a observar, com mais precisão, as ações da camareira, pois com certeza esta sabia de mais “coisas”.

Uma falsa “mentira”

Seguindo adiante, ele procurou a noiva para conversar sobre o casamento e a viagem, mas o seu intuito era encontrar uma maneira de falar sobre o quarto “misterioso”. Até que enfim, de pronto, surgiu uma oportunidade e criou coragem para perguntar prá ela. – “A quem pertencia aquele quarto contíguo ao dela e por que só vivia trancado?” – Ela então lhe respondeu com um ar de espanto – “E qual é o seu interesse naquele quarto?!” – “Apenas por curiosidade.” Respondeu-lhe. – “Aquele quarto pertencia aos meus dois irmãos, quando estavam aqui. Agora estão morando fora, pois foram estudar em outro país.” – Encerrou a conversa ali mesmo.

Então ele percebeu que ela estava querendo “esconder” alguma coisa, pois ficou nervosa ao responder-lhe sobre o quarto. Um detalhe importante! Havia outros quartos na casa, pelo menos uns três a mais, além do que pertencia a ela. Por que somente aquele permanecia trancado e inacessível? Novamente - Mistério!

Passaram-se os dias, ele cada vez mais pensativo e preocupado com tudo aquilo que estava acontecendo, e sem saber qual decisão tomar sobre aquela falsa “mentira”. Daí decidiu que iria fazer uma abordagem “indireta” à camareira para ver a sua reação ao citado quarto. Passou então, em ficar mais tempo na casa, adquirindo mais intimidade e procurando ter uma maior aproximação com os empregados.

Até que surgiu uma “brecha” pra falar com a camareira, a sós. De pronto, perguntou-lhe sobre os dois irmãos da moça que moravam fora do país. Ela respondeu-lhe que eles já estavam fora, há algum tempo, e quando vinham de férias ficavam instalados naquele quarto, que era vizinho ao da noiva dele. Outra falsa “mentira”. Daí, a camareira pediu licença e retirou-se. Mas um motivo para que ele ficasse “encucado”.

Havia coisas erradas naquilo tudo. Só não sabia o que era, mas tinha. E a camareira sabia de mais “coisas”, com certeza. Era uma questão de paciência e investigação. Enfim, era o futuro dele que estava em jogo. Pensou em perguntar ao pai da moça, mas conteve-se. Ia esperar pra ver mais “coisas”.

Uma conversa “bizarra” com o pai da noiva

Tudo aquilo estava soando “bizarro” pra ele, pois era um rapaz humilde e trabalhador que havia embarcado numa “aventura” muito estranha para satisfazer os desejos de um pai, que queria casar uma filha, a qualquer custo. Era a realização do sonho de um pai que queria ter netos, bem como, o de fazer cessar os boatos “maldosos” acerca da feminilidade da sua bela filha.

Mas com o passar do tempo, os acontecimentos na casa da noiva, estavam ficando, cada vez mais complicados de entender e aceitar, até que ele criou coragem e foi falar com o velho. Dirigindo-se ao pai da moça (Senhor “Z”), o rapaz chamou-o para uma conversa mais franca e sincera, a fim de relatar algumas coisas “estranhas” que estavam acontecendo com relação ao comportamento da sua filha.

A conversa teve início com a abordagem feita por ele à sua filha, quando este lhe falou sobre um quarto que permanecia sempre trancado. O senhor “Z”, tomado de surpresa, perguntou-lhe sobre o “por que” da sua curiosidade sobre aquele quarto. O que tinha chamado a sua atenção e a importância de saber o que havia lá dentro? Respondendo ao “sogro”, o rapaz falou que achava muito estranho a existência de um quarto contíguo ao de sua noiva, e que tinha uma porta interna que dava acesso, ligando um quarto ao outro. Qual era o motivo daquilo?

Uma camareira suspeita

“Bem, Fulano, realmente esse quarto existe e permanece trancado porque pertence aos meus dois filhos que moram fora do Brasil, aqueles dos quais já lhe falei e que estudam no exterior”. Até aquele momento, o rapaz do Piauí não havia falado que já tinha entrado no quarto e sabia o que tinha lá dentro.

Continuando, os dois ficaram conversando por algum momento, e então, o rapaz lhe perguntou – “É do seu conhecimento o que tem dentro daquele quarto?” - “Sim, é claro!” - Respondeu-lhe o sogro, prontamente. – “O senhor poderia relatar para mim o que tem lá dentro do quarto?” – “Lógico”! Mas vou chamar “a camareira, pois é quem cuida de tudo lá.” A camareira também não sabia que o rapaz havia adentrado ao quarto “misterioso”.

As revelações da camareira

Diante dos dois, a camareira citou o que havia no interior do quarto, só que, com algumas diferenças do que era realmente. Nesse interim, o rapaz interrompeu a fala da camareira, dizendo que ela não estava falando a verdade, pois ela estava omitindo algumas coisas importantes. Aí foi quando ele revelou que já havia estado no citado quarto e o que tinha visto lá. Essa atitude do rapaz provocou um desconforto no velho, que chegou a empalidecer, depois dessa revelação. Isso gerou também um forte nervosismo na camareira. Aí a coisa “pegou”.

O rapaz do Piauí esclareceu tudo sobre o que havia dentro do quarto, desde a cama de casal (de tamanho exagerado), o guarda roupa sempre trancado, a cadeira “estranha” e também alguns utensílios “bizarros”. Para que servia tudo aquilo, lá dentro daquele quarto? Então, dirigindo-se ao velho, este pediu uma explicação sincera e sem mentiras ou invenções, acerca de tudo aquilo. Naquele momento, o Senhor “Z” pediu à camareira que se retirasse, pois queria conversar a sós com o seu futuro genro. E isso foi feito.

Uma conversa “a sós” com o pai da noiva

Agora, a sós, o velho tomou a palavra e dirigiu-se ao rapaz da seguinte forma – “Prezado Fulano, quero que você entenda o que vou lhe contar sobre a minha filha. Você falou com o nosso médico, Dr. João, acerca da cirurgia que a minha filha vai ter que fazer, para curar-se de uma doença que ela tem desde que nasceu. Como falei: não se trata de uma “doença grave”, ela apenas vai corrigir uma pequena falha na sua “estrutura biológica”, como já foi citado na reunião com o Dr. João e na presença da sua noiva. Achei que isso já estava claro pra você”.

Não satisfeito com a resposta, retrucou o rapaz – “Eu não estou aqui para falar sobre doença, eu estou aqui para falar sobre aquele quarto esquisito, contíguo ao da minha noiva! – É isso!”

A conversa entre os dois ficou meio áspera, mas a discussão foi encerrada, ali mesmo, sem uma conclusão sobre o assunto. Ficou somente no “disse e não me disse”, e só. A noiva não participou da conversa, mas a camareira contou pra ela que o noivo já havia entrado no quarto.

Uma “estratégia” para desvendar o mistério

Após a conversa com o pai, o rapaz do Piauí procurou a noiva para conversar, e que esta lhe deveria dar os esclarecimentos necessários sobre a finalidade daquele quarto. Desculpas já não adiantavam, como a do tipo: “que o quarto era dos seus irmãos que estavam no exterior”.

Então ela, calmamente, disse pra ele, que o quarto era usado pra ela dormir, quando tinha uns pesadelos que a incomodavam muito, mas que, após a cirurgia, ela voltaria a ser uma pessoa normal, então estaria tudo resolvido.

Outra mentira que não colou para o seu noivo. Mas tudo seguiu adiante, como se estivesse tudo normal. Nesse interim, a cabeça do rapaz ainda estava muito confusa. Foi ter novamente com a camareira, mas esta lhe respondeu dizendo que era apenas uma empregada e executava as suas tarefas sem perguntar os “por quês”. E ficou nisso. E o noivado continuou sem maiores contratempos.

Não obstante o acontecido, o rapaz do Piauí ficou pensando sobre quais seriam os próximos passos a serem dados, visto que o cenário era de muitas dúvidas e incertezas. E não era pra menos! Seguindo adiante, ele preparou uma estratégia para esclarecer tudo aquilo. Queria dormir na casa da noiva em quarto separado e aproveitar para ver o que acontecia durante a noite. Para tanto, teria que pedir permissão ao pai da noiva, porém sob um pretexto que fosse justificável. Então, resolveu criar uma “doença” repentina.

Foi a uma farmácia, comprou um laxante (purgativo) e tomou. Nesse meio tempo, resolveu ficar para o jantar e esperar o efeito do remédio. Após o jantar, começou a passar mal, indo ao banheiro várias vezes e também passou a vomitar. Era exatamente o “motivo” criado para dormir na casa da noiva, naquela noite, quando tudo aconteceu conforme o planejado e que ninguém viria a desconfiar de nada.

Uma falsa “doença” para dormir na casa da noiva

Após o jantar e sentindo-se mal, o rapaz do Piauí perguntou à noiva se podia dormir lá na casa dela durante aquela noite. Não houve objeção e foi atendido, prontamente pelo pai da moça. É lógico que não iria dormir no mesmo quarto da noiva, pois ainda não estavam casados e não iam contrariar os costumes da época. Ele foi dormir em outro quarto distante com banheiro.

Fingindo estar muito mal, o rapaz resolveu recolher-se mais cedo para dormir, porém toda aquela “cena” tinha como propósito, desviar a atenção de todos que estavam na casa. A noite transcorria de maneira tranquila e nada de estranho acontecia, mas lá pelo início da madrugada, o rapaz ouviu alguns passos de alguém andando na ponta dos pés. Fingindo que estava dormindo, o rapaz percebeu quando alguém abriu a porta do seu quarto, devagarinho para não acordá-lo.

Era nada mais, nada menos que a camareira que veio verificar se ele estava, realmente, dormindo. Crendo que estava tudo bem, a camareira voltou de “fininho” para o seu quarto. O rapaz do Piauí ficou á espreita, vigiando as próximas ações dela. E não esperou muito para o inusitado acontecer. Esta saiu, sorrateiramente, do seu quarto e dirigiu-se ao “misterioso”, abrindo-o, silenciosamente, pois detinha a chave do mesmo em seu poder. Daí, tudo ficou em silêncio.

Depois de terem passados os primeiros momentos, o rapaz resolveu averiguar o que de estranho estava acontecendo. Chegando próximo à porta do quarto, este resolveu colar o ouvido, e daí começou a ouvir sussurros acompanhados de gemidos, como se fossem de gozo. Retornando ao seu quarto, este resolveu aguardar o que iria acontecer durante aquela noite.

Cansado e com sono, pois ainda estava sob o efeito do purgativo, resolveu dormir e aguardar. Já eram lá pelas cinco da manhã, quando este viu a camareira de saída do quarto do “mistério” e dirigindo-se ao seu, que ficava próximo ao dele. Deu pra perceber que ela estava tentando disfarçar e fingindo já estar trabalhando na casa. – Mistério!

O dia seguinte

Pela manhã, já com todos à mesa para o café, eis que a noiva não apareceu. Sentindo a sua falta, o noivo perguntou ao pai, por ela. Neste momento, o velho respondeu que ela havia tido uma indisposição e ele achou que tinha sido o efeito da comida também. A seguir, chamou a cozinheira, perguntando-lhe o que de diferente tinha sido servido no jantar, já que havia duas pessoas que ficaram sentindo-se mal.

Ela desculpou-se sobre o ocorrido, mas que achava estranho tudo aquilo, pois somente a moça e o seu noivo tinham sido afetados. “Será que ela voltou a ter aqueles pesadelos?” – Perguntou o velho, dirigindo-se à camareira. – “Não sei” – Respondeu ela, pedindo licença e retirando-se em seguida. O rapaz do Piauí ficou em silêncio, olhando para o jeito da camareira, baixou a cabeça e retomou o seu café, Depois do café, comunicou ao pai da moça que estava sentindo-se melhor e que retornaria para o seu hotel.

Chegando ao hotel, recolheu-se ao seu quarto, passando a refletir sobre o que teria ocorrido dentro daquele quarto. Alguma coisa “suja” estava acontecendo, não poderia ser diferente. Dentro da sua cabeça estava se formando um impasse: se casaria ou se desmancharia o noivado. Era uma decisão muito difícil a ser tomada naquela altura dos acontecimentos. Enfim, qual seria a decisão correta? Até aquele momento, as coisas soavam muito confusas pra ele. As suspeitas sobre a noiva e a camareira só aumentavam e ganhavam espaço.

Não era pra menos. Surge uma ideia! Teria que falar com o médico da família, o Dr. João. Mas como? Não sabia o telefone e nem o endereço do médico. Pensou novamente e teve outra ideia. Qual?! Aproveitar-se-ia da “doença inventada” na noite anterior quando teve que dormir na casa da noiva. Era um bom pretexto para falar com o médico, a sós.

Esclarecendo os fatos e pondo a verdade sobre a mesa

Alegando que havia passado mal em virtude do jantar anterior, o rapaz ligou para o pai da noiva e pediu para falar com o médico, já que havia ficado sentindo-se mal também no hotel. Eis que o truque deu certo. De posse do endereço do médico, o rapaz foi até o seu consultório e sem avisar.

Chegando ao consultório, a secretária informou ao médico que um paciente novo estava querendo ser atendido com urgência, já que estava passando mal devido ter comido algo que não lhe fez bem. Quando o rapaz se apresentou, o médico foi tomado de surpresa, pois este o reconheceu e perguntou-lhe o que havia acontecido.

Temendo ser desmascarado pelo médico sobre a falsa “doença” inventada por ele, este foi direto ao assunto, contando o motivo da sua ida ao consultório. O medico convidou-o a sentar-se e ambos passaram a conversar sobre que o rapaz havia visto, durante a noite, na casa da noiva. E assim, aconteceu. Segue o diálogo entre os dois:

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O Dr. João

- Senhor Fulano, você pode explicar-me o que presenciou de estranho na casa da sua futura esposa? Por favor, fale-me sobre o acontecido e com detalhes.

O rapaz do Piauí

Dr. João, o que eu presenciei lá, não pode ser considerado normal. Eu fingi ficar “doente” para ter a chance de um pretexto para dormir lá na casa da minha noiva. À noite, vi algo que me pareceu muito estranho e que me chamou a atenção. Vi a camareira adentrar ao quarto que eu considero “misterioso”, pois só quem entra lá é essa camareira.

Nesse quarto, nem a mãe da minha noiva, entra. Muito estranho isso, o senhor não acha? Era lá pela meia noite, quando vi a camareira caminhando na ponta dos pés, dirigindo-se ao quarto da minha noiva e lá permanecendo até de manhã. O que está acontecendo lá, que eu não devo saber agora?

O Dr. João

- Senhor Fulano, como já lhe falei, anteriormente, a sua noiva (futura esposa) sofre de uma rara “doença” que é de “nascença”, como o seu “sogro” já falou, é uma falha na sua “estrutura biológica”. Trata-se de um problema congênito, Esse problema para ser resolvido, de uma vez, vai ser necessária uma cirurgia e que não dá para ser realizada aqui no Brasil. Já consultamos outros países e a cirurgia vai ser feita nos Estados Unidos. É lá que eles dispõem dessa nova tecnologia para a mudança de sexo. É isso o que vai ser feito com a sua noiva.

O rapaz saltou da cadeira que estava sentado, tamanho foi o susto que levou, quando sem querer, o médico falou isso. Involuntariamente, o médico havia revelado o “segredo” da moça para o noivo. Mas já era tarde demais e não podia mais consertar o erro.

O rapaz do Piauí

O quê?! – Mudança de sexo? A minha noiva vai mudar de sexo? Que história essa, doutor! Seja claro e não me enrole! Por favor, seja sincero e claro comigo! E o que tem de errado com ela? Explique-me tudo agora! Eu sempre suspeitei que houvesse algo de sujo e errado nessa “estória”, mas não tanto. E começou a bradar aos prantos.

Desesperado, confuso e muito nervoso, o rapaz pediu ao médico maiores esclarecimentos e detalhes sobre o assunto, pois tudo aquilo era demais para a cabeça dele. Quem iria entender e aceitar tão difícil e esdrúxula situação? Esse era o seu dilema. Como iria explicar para a sua família e amigos, já que ele era de um Estado diferente? Como iria encarar as pessoas que o conheciam?

Todas essas perguntas necessitavam ter as respostas bastante convincentes.

Então, passado o momento de surpresa e agora mais calmo, o rapaz prosseguiu adiante com a conversa na presença do médico.

O rapaz do Piauí

Essa é a segunda vez que falamos sobre esse assunto, portanto, eu gostaria de saber mais detalhes sobre isso, apesar de não ter conhecimento sobre o mesmo. Por que somente agora é que eu estou sabendo disso? Estou preocupado, apesar de o senhor afirmar que eu posso ficar tranquilo. Que problema de “nascença” é esse? Dê-me uma resposta mais simples e clara para que eu possa entender melhor essa situação. Enfim, eu vou casar com ela, em breve, e tenho o direito de saber tudo, o senhor não acha?

O Dr. João

- Senhor Fulano, eu vou ser direto com você, mas, por favor, não comente isso com a sua noiva e nem com o pai dela, já que jurei manter isso em segredo, para toda a família, até que a cirurgia seja realizada. A sua própria noiva não sabe detalhes sobre a sua doença, para não constrangê-la diante dos amigos e do restante da família. O corpo da sua noiva detém os dois sexos e na medicina isso é chamado de Hermafroditismo.

Trata-se de uma pessoa que tem, no mesmo corpo, os dois sexos. Na cirurgia será definido qual sexo se sobrepõe ao outro e esperamos que, após a cirurgia, prevaleça o sexo feminino, já que a sua estrutura física tende para o lado feminino. Em poucas palavras é isso aí e espero que você tenha entendido agora.

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Esclarecendo a verdade e um “segredo” é revelado

Não obstante toda aquela explicação técnica dada pelo médico, tudo isso não fora convincente para o rapaz, que ficou aflito diante daquela revelação inesperada. E não era pra menos. O médico continuou explicando pra ele, que esse problema que ela tem pode acontecer com qualquer um de nós.

Para ser mais preciso, ela nasceu com um defeito congênito e a medicina vai resolver isso, de uma vez. A cirurgia faz-se necessária porque esse problema não pode ser tratado, através dos métodos convencionais e tem que ser em outro país, onde a medicina está mais avançada. No Brasil, esse tratamento não vai ser possível. Mas não se preocupe que vai dar tudo certo.

Após essa revelação bombástica, o rapaz do Piauí voltou para o hotel, e lá, passou a pensar como enfrentar uma realidade tão avassaladora e em tão pouco tempo. Tudo isso estava parecendo um pesadelo e ele já não aguentava mais. Mas tudo bem, então seguiria em frente. Nesse dia, ele não mais retornou à casa da noiva, permanecendo em silêncio e ausente por dois dias seguidos e sem dar notícias pra ninguém. Ficara sozinho, absorto em seus multi- pensamentos e para encontrar uma solução para o seu problema de ordem passional.

Seria uma explicação “científica” para o problema?

O hermafroditismo pode parecer algo bizarro para nós, os seres humanos, já que estamos acostumados ao nosso conceito com sexos em corpos diferentes. O preconceito acerca do assunto, a terminologia imprecisa e o sensacionalismo em torno de temas relacionados à nossa biologia reprodutiva reforçam, ainda mais, as estranhas sensações de sentimento para aqueles que detêm o problema.

Não é à toa, que a imprensa publica algumas matérias a respeito de algum humano “hermafrodito”, que são os indivíduos “anormais” e portadores de tecidos ou órgãos dos dois aparelhos reprodutores. A biologia reprodutiva humana, diferentemente de outros animais, contém um adicional de alta complexidade. Enquanto macho e fêmea são categorias biológicas de abrangência universal, homem e mulher, que poderiam ser consideradas categoriais de gênero, com uma abrangência bem mais restrita.

Os papéis sexuais e os gêneros podem estar misturados, quando os machos podem se parecer e agir como mulheres - “machos femininos”, do mesmo modo como as fêmeas podem se parecer e agir como homens - “fêmeas masculinas”.

Em várias outras espécies, no entanto, o mesmo indivíduo pode ser capaz de produzir os dois tipos de gametas. A distinção cultural entre homem e mulher depende do papel social do indivíduo e, cada vez mais, de suas opções, embora homens em geral sejam “machos” e mulheres em geral sejam “fêmeas”. Parodiando o linguajar científico, daí o título dessa crônica.

“Nem todo macho é masculino e nem toda fêmea é feminina”

Uma decisão “sine qua non”

Seguindo adiante, o rapaz do Piauí resolveu tomar a seguinte de decisão definitiva para a solução do impasse: casar ou não casar. Qual decisão tomaria naquele momento? Durante a sua ausência, o pai da moça foi procurá-lo no hotel em que estava hospedado para saber o que tinha acontecido dada a sua ausência em sua casa. A noiva estava preocupada. Seguiram os dois para a recepção do hotel e lá passaram a conversar sobre o ocorrido.

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O rapaz do Piauí

Senhor “Z”, eu estive ausente da sua casa durante dois dias, pois fui procurar o Dr. João para conversar, seriamente, com ele, do qual recebi uma resposta incisiva. Com o senhor, essa é a terceira vez que estamos a falar acerca desse assunto, a sua filha, portanto, eu vou deixar bem claro para o senhor o que ouvi do Dr. João, o seu médico de família. Somente agora é que eu estou sabendo do que trata o problema da sua filha. Eu estive no consultório do médico e ele me contou do que sua filha sofre.

Nesse momento vou colocar, para o senhor, a minha posição definitiva sobre isso. Apesar de o senhor afirmar que eu posso ficar tranquilo, que o problema é de “nascença” e eu entendi, depois da explanação do Dr. João. Diante de tudo que já sei sobre ela, a minha proposta é a seguinte: Eu só me casarei com a sua filha, depois que ela fizer a cirurgia. Até lá, nada vai acontecer. Essa é a minha decisão final.

O Pai da moça

Bem Fulano, neste caso, eu vou falar com a minha filha sobre a sua decisão, mas usando outro argumento, agora que você já sabe acerca da “doença” dela. Apesar de ser a pessoa que tem o problema, eu sempre procurei deixá-la desinformada dessa situação para não constrangê-la. Ela não tem nenhum esclarecimento sobre isso, portanto vou deixá-la fora dessa conversa.

Já que estamos esclarecidos, vou providenciar a viagem de vocês para os Estados Unidos, a fim de que você possa acompanhar a cirurgia dela junto com o Dr. João. Acho que você fará uma boa companhia pra ela neste momento. O Dr. João vai acompanhá-la também, durante a cirurgia, a fim de que ocorra tudo com segurança. Quando retornarem, vocês irão casar como já combinamos. Para mim está tudo bem e não iremos mudar nada.

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Após a conversa entre as partes, o rapaz do Piauí permaneceu no hotel e o pai da moça voltou para casa. Daí, eles resolveram ficar separados durante aquele dia, onde nada aconteceu de diferente. Apenas o rapaz do Piauí ficou a pensar sobre a última proposta do velho, o pai da moça, o que não era de todo ruim para ele, já que agora tinha outra situação, que era a de só casar, após a cirurgia da noiva.

Essa nova situação dava-lhe mais tempo para pensar e até mesmo entender melhor o problema que sua noiva enfrentava. Era uma questão de muita compreensão da parte dele, tendo em vista que ainda estava apaixonado por ela.

Seguiram-se os dias, agora num ambiente mais ameno, até chegar o dia da tão esperada viagem para os Estados Unidos. O casal resolveu ficar a sós por alguns dias, com a noiva ainda meio sem saber o que tinha ocorrido durante a ausência do noivo, em ter permanecido no hotel. Mas sem muitas perguntas, alguma coisa estranha pairava no ar, até que o noivo resolveu quebrar o silêncio.

Falou que tinha conversado novamente com o pai dela sobre a sua “estranha doença”, mas que agora ele teria que esperar o retorno dos Estados Unidos, após a cirurgia. – “O que você sabe que eu não sei, acerca do meu problema?” – Perguntou ela ao noivo, querendo uma resposta mais esclarecedora, agora que ele havia conversado com o médico, Dr. João.

Para explicar melhor aquela “estranha doença” que ela tinha, o rapaz do Piauí falou para a noiva, que o Dr. João já o havia esclarecido sobre do se tratava, enfim eles iriam se casar, então aguardaria o resultado da cirurgia e nada mudaria até lá. Esta, em tom muito calmo e educado, disse-lhe que não sabia os detalhes sobre o que ela tinha e que apenas os seus pais sabiam. Não lhe davam maiores explicações a respeito A sua mãe a rejeitava e por isso mantinha-se indiferente para com ela e ao seu “estranho” comportamento e que ela não tinha culpa por nada. Assim ela falou para o noivo.

A viagem para os Estados Unidos

Após todas essas discussões, enfim chegara o dia da tão esperada viagem para os Estados Unidos e a realização da cirurgia que iria resolver todos os problemas da bela e rica jovem. Os preparativos foram feitos, a bagagem toda pronta e rumo aos EUA. Naquela época, os vôos internacionais eram complicados, pois o aeroporto local não tinha vôos para longas distâncias, quanto mais para vôos internacionais.

Nesses casos, os passageiros tinham que ir para os aeroportos do “Sul” (Rio de Janeiro ou São Paulo), pois era assim que chamavam os Estados da Região Sudeste, à época. Outra opção era ir de navio até o “Sul” e de lá, pegava um vôo internacional para os Estados Unidos. Em qualquer caso, as viagens eram cansativas e muito demoradas, chegando a levar semanas para a chegada ao destino final.

O aeroporto de Fortaleza teve suas origens ali no bairro do Alto da Balança (atual Aerolândia), e foi construído lá pela década de 1930, que depois ficou sendo chamado Campo de Aviação. Durante a Segunda Guerra Mundial, serviu de base aérea de apoio às Forças Aliadas, época em que foi construída a segunda pista de pousos e decolagens (Base do Cocorote), a atual pista de uso do Aeroporto de Fortaleza.

Somente em 1963, a segunda pista do Alto da Balança foi ampliada de 1.500m para 2.545m. O primeiro terminal de passageiros e o pátio de aeronaves foram construídos, somente em 1966. Estes são apenas alguns informativos da época e a viagem para os Estados Unidos, ainda se deu num cenário de guerra. A guerra da Coreia.

Um cenário internacional ainda hostil

Os anos 50’s ainda eram considerados uma época de transição entre os períodos das guerras da primeira metade do século XX e o período das revoluções comportamentais e tecnológicas da segunda metade. A guerra da Coreia já tinha iniciado e foi um conflito armado que ocorreu na Península Coreana, dividindo o país em Coreia do Norte e Coreia do Sul.

No período da viagem, esse conflito já tinha iniciado em 25 de junho de 1950 e terminou em 27 de julho de 1953. Ao longo de seus anos de duração, a Guerra da Coreia foi responsável pela morte de mais de 2,5 milhões de pessoas. Contou com a participação de tropas norte e sul-coreanas, tropas chinesas, americanas e uma modesta participação de soldados soviéticos.

No final do conflito, o resultado foi de poucas mudanças de fronteiras e mantiveram a divisão e a rivalidade entre as duas Coreias, que duram até os dias atuais. O presidente dos Estados Unidos ainda era, à época, Harry Truman, aquele que autorizou o lançamento das duas bombas atômicas no Japão, nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, respectivamente.

Nesta época teve início também, a chegada da televisão no Brasil e era uma época que foi considerada a "idade de ouro" do cinema e também foi a época de importantes descobertas científicas como o ADN ou DNA (Ácido Desoxirribonucleico). O campeão da Copa do Mundo em 1950 foi, pela segunda vez, foi o Uruguai, em 1954 a Alemanha Ocidental conquistou a Taça do Mundo pela primeira vez e, em 1958, a Seleção Brasileira de Futebol faturou também o seu primeiro título mundial. Esses foram os anos 50’s.

A chegada aos Estados Unidos

A viagem aconteceu sem maiores percalços, dada à condição financeira do pai da moça. Vale salientar que a cirurgia haveria de acontecer nos Estados Unidos, por conta da tecnologia e os recursos da medicina, que eram mais avançados que os existentes no Brasil.

Aqui não será citado o hospital e, tampouco, o nome do médico que fez a cirurgia. O “Dr. João” (nome fictício) para o médico brasileiro, acompanhante do casal, que se fez presente na operação, a fim de garantir a tranquilidade e a segurança durante e depois da cirurgia.

Passados os primeiros momentos da chegada aos Estados Unidos, o Dr. João apresentou-se ao corpo médico do hospital e dirigiu-se mais, especificamente, ao cirurgião-chefe, a fim de dirimir as últimas dúvidas e esclarecer os detalhes da cirurgia. Nesse interim, o casal teve que permanecer separado, tendo em vista a bateria de exames preliminares, a qual a moça tinha que ser submetida, dada a complexidade da cirurgia. Até aí, tudo ocorria conforme o planejado.

Após a realização dos exames preliminares, então veio uma parte que requeria o exame físico na paciente. Ao examiná-la, clinicamente, o cirurgião-chefe chamou, à parte, o Dr. João, a fim de pô-lo a par do que poderia acontecer, após a realização da cirurgia. Isto deixou o Dr. João, deveras, preocupado. Seguindo adiante, o Dr. João ficou a analisar o problema com um ar de preocupação, pois o resultado da cirurgia, talvez não fosse conforme o esperado pelo noivo e, principalmente, pelo pai da moça.

Enfim, é chegada a hora da grande realização: A Cirurgia

Em reunião privada com o cirurgião-chefe, este confidenciou ao Dr. João sobre a possibilidade de a paciente entrar na sala de cirurgia como “mulher” e, após a cirurgia, sair como “homem”. A segunda hipótese era a mais provável e isso deixou o Dr. João muito preocupado. Ia esperar pra ver. A alternativa não era outra, senão aguardar pelo resultado.

Preocupado, foi logo tratar com o noivo da moça, já que este também estava apreensivo sobre o resultado. Veio então o momento de entrar no centro cirúrgico com os preparativos sendo iniciados, e a realização da tão esperada cirurgia. A cirurgia durou algum tempo, permitindo que nesse interim, o Dr. João alertasse para o noivo, sobre os riscos deste tipo de operação. Após espera, logo veio o resultado.

Terminada a operação, o cirurgião-chefe veio ter com o Dr. João avisando-o que tinha ocorrido tudo normal e a paciente tinha se comportado muito bem, mas o resultado não fora o esperado. Aquilo que ele (cirurgião-chefe) havia antes comentado com o Dr. João, aconteceu. A moça entrou “mulher” e saiu como “homem”. O órgão masculino prevaleceu sobre o órgão feminino, que na linguagem popular atualizada, equivale “mudar” de mulher para homem, ou seja:

Entrou como uma “Thammy Cristina” e saiu como um “Thammy Miranda”.

(Foi isso aí).

Um triste retorno para casa

Após todos esses acontecimentos havia chegado a hora da volta pra casa, com os transtornos e as decepções na bagagem. Tudo aquilo que fora planejado, tudo fora acabado em poucas horas. Enfim, essa era a nova realidade para todos. O rapaz do Piauí procurou o Dr. João para antecipar o seu retorno para o Brasil, já que a sua “noiva”, agora “homem”, esta teria que se recuperar e convalescer do pós-cirurgia, até ficar disponível para poder voltar para casa, agora com a nova “roupagem” ou com o “novo” gênero.

Lá dos Estados Unidos houve a comunicação do Dr. João com o pai da “moça”, quero dizer, o “moço”, sobre o resultado da cirurgia, que não ocorrera conforme o esperado, para desespero do velho. E agora, José, como vai ser? O rapaz do Piauí embarcou de volta para o Brasil e, aqui chegando, foi direto para a sua terra natal, Teresina/PI, permanecendo por lá, até a chegada da “filha”, agora “filho” do velho, para os “acertos” finais.

Contando o tempo da viagem de volta do rapaz do Piauí, mais o período de convalescença do paciente e o tempo de retorno deste para casa, tudo isso durou mais de dois meses, quase três.

O epílogo sobre essa “estória” do rapaz do Piauí

O rapaz do Piauí antecipou-se à chegada da “ex-noiva”, agora sob a nova “roupagem”, a fim de “consertar” o erro cometido nesta desastrada “aventura” na qual havia se metido. O Senhor “Z” chamou-o para conversar sobre a malfadada oferta do “dote” e para compensar-lhe o prejuízo moral causado por ele. Neste ato, ofereceu-lhe vultosa quantia em dinheiro e que ele (o rapaz do Piauí) esquecesse todos os transtornos causados por um pai, que queria apenas realizar a um sonho de ser avô e casar uma filha “mal-falada”.

O FIM

(THE END)

COMENTÁRIOS

Esta crônica foi escrita com base num fato real, que aconteceu em Fortaleza, lá pelos anos 50’s, porém os personagens desse relato são fictícios. Caso haja qualquer coincidência de fatos com outros casos acontecidos, aqui será tratado como uma mera semelhança, não cabendo qualquer comparação ou coisa do gênero, caso se pareça.

A Autora

Observação

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(Imagens copiadas do acervo digital do IBGE)