Sobre crescer, ser estrelas e ver-se mulher

Nua, quase nua, deitada na minha cama, me encarando no espelho. Tenho linhas que limitam e definem o meu ser físico no espaço habitável. Tenho cheiros e texturas e desdobramentos de pele. Não sou lisa, as pintas e espinhas impedem. Mas não só elas. Apesar de pequenos, meus seios amostras são sobressalente ao meu corpo e, ao mesmo tempo, pertencentes a ele, como os braços, as pernas, a bunda, as orelhas e o nariz. Não pertenço a um único plano e, Deus me livre ser cartesiana. Essa fase já passou. No meu reflexo, vi além dos prolongamentos de raio a minha imagem poética repleta de um subjetivismo e imaginação que, talvez, só outros olhos pudessem conferir tamanha grandeza à admiração que a mim me cabia viver naquele momento, pois era somente aos meus olhos que eu tinha ou, melhor, ao reflexo deles. Nesse momento, me pus a pensar: quais outras retinas veriam o que vejo agora? E elas o veriam como eu vejo? Vi-me bela, complexa, radiante. Como um ser solar, de fogo e misterioso. Intensa, única e fugaz. Estrelar e tão infinita como finita: me tenho pra sempre apenas nesse instante.

Diferentes de todos os dias, hoje me senti diferente. Por me deixar ser vista e por me deixar me ver, por inteira, em minha totalidade e essência. Na memória remanescente, vi a infância pra trás se desfazendo. Não sou o que fui, eu sei. É um pensamento muito racional, nada intuitivo. Sim, não sou criança, mas também não sou gente crescida. Ainda não vivo aquela minha definição inocente do que é ser adulta: usar sapatos de salto alto, saber me maquiar, morar sozinha, namorar, fazer compras do mês, frequentar a academia, dominar política e todas as noites assistir jornal. Além disso, ainda não sou bonita como as mulheres de vinte anos. Assim, claramente ainda não tenho 20 anos porque acredito, no fundo do coração, que quando eu realmente tiver essa idade, serei bonita. Quando me identificar como tal, perceberei minha evolução e reconhecerei, enfim, que estou na linha de chegada: nessa idade em que todas as mulheres são bonitas.

Mas repito: já não sou mais criança e as definições já não são tão inocentes.

Então, espelho, espelho meu, quem sou eu?

Mari Verona
Enviado por Mari Verona em 03/02/2021
Reeditado em 08/02/2021
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