MÁRIO DE ANDRADE E DRUMMOND

A INGENUIDADE DE MÁRIO DE ANDRADE E A DUREZA DE DRUMMOND

Nelson Marzullo Tangerini

Durante muito tempo fui leitor e fã ardoroso de Mário de Andrade e de sua obra, no que se refere a pesquisas sobre folclore, músicas populares e artes plásticas.

A admiração continua, embora hoje esteja mais ligado a Carlos Drummond de Andrade, com quem troquei correspondência, publicadas no livro “Cartas de Carlos Drummond de Andrade a Nelson Marzullo Tangerini, Editora Autografia, Rio de Janeiro, RJ, 2015. Penso, hoje, que Drummond superou Mário, na poesia.

Recordo, com admiração, do poema ‘Igual-desigual”, do gauche de Itabira, publicado no livro “A paixão media”, em que o poeta acha tudo enfadonho; inclusive, todas as formas de poesia.

Mas a pergunta é universal: Por que escrevemos? Por que escrevemos se vamos morrer um dia?

Mário, por exemplo, acreditava na generosidade, na bondade, na alma cândida e caridosa do povo brasileiro.

Assim como Drummond, também já fui brasileiro. Envergonhado com tudo o que vem acontecendo no país, um festival de grosseria, desprezo à cultura e ao meio ambiente, negacionismo, autoritarismo, culto a torturadores, excesso de farda nos ministérios e em outras pastas, fazem de mim uma pessoa cética em relação ao futuro.

Como disse, certa vez, num poema, cansado de generais arrogantes, frios e pesados, “a farda seria o meu fardo”. Porque não nasci para receber ou dar ordens; não nasci para demolir a democracia; não nasci para valorizar as armas; não nasci para ter o meu pensamento uniformizado, atrofiado; não nasci para deixar-me ser doutrinado.

Penso que devemos concordar plenamente com Clarice Lispector, quando escreveu que o que ela desejava estava muito além da liberdade. Porque uma pessoa sensível, lúcida e inteligente deve, antes de tudo, desejar um mundo humano e livre para todos.

Mário, se vivo estivesse, veria o quanto se equivocou em seu poema, vendo que o brasileiro é reacionário, homofóbico, racista, moralista e violento. O namoro do povo com o nazi-fascismo é assustador, causa-nos arrepio na espinha. Um dos ovos da serpente foi gerado em terras brasileiras. Eclodiu e está aí, com sua cria tentando desacreditar a democracia, como se o autoritarismo fosse a melhor saída, a melhor forma de governo.

A igreja católica, por exemplo, que instituiu a inquisição e que esteve do lado dos fascistas, na Espanha, em Portugal, na Itália e na Alemanha, parece agora prosseguir reconhecendo todos os seus erros.

Mas os fascistas continuam mantendo viva a imagem maléfica e, para eles, “mitológica” de Mussolini, Hitler, Salazar e Franco, entre tantos outros. Muitos deles se escondem atrás de um cristianismo com sabor de ódio (leia-se Gabinete do Ódio) e sangue.

Enfim, a linguagem, reduzida e limitada, é a mesma dos generais do golpe militar de 1964; para eles, Revolução Redentora, que, indiscriminadamente, prendeu, torturou e matou seres humanos, não respeitado índios, que defendiam suas famílias e suas aldeias, e crianças.

Para eles, em pleno Século 21, 2021, todos aqueles que defendem o meio ambiente ou os direitos humanos são comunistas; as jornalistas querem dar o furo; os professores são vagabundos e maconheiros; os universitários são todos drogados, plantam maconha na universidade e participam de orgias sexuais.

O discurso obsoleto dos fascistas é justificar que a democracia é um sistema ultrapassado e falido e que é preciso uma intervenção militar nas universidades e pôr reitores coniventes com o sistema, por exemplo. É o mesmo discurso de 1964: sem coerência e pobre.

Esperamos, enfim, que algo de bom aconteça neste país, onde o futebol é muito mais importante do que as questões sociais.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 06/02/2021
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