Os vazios das palavras e os nossos

A vida é dotada de significados e simbologias. No auge do meu ceticismo e descrença, tudo é reificado. Há esse poder de colocar e tirar significado nas coisas da vida, nos momentos da vida. Por muito tempo, julguei isso ser exterior a mim. Um poder que eu nunca teria. No perigo que é brincar de mudar de perspectiva, me descobri dominadora desse feitiço e, pro meu azar, não estou sabendo usá-lo. Dei-me conta que constantemente e quase compulsivamente retiro mais do que dou significado.

Esses dias eu pensei sobre a simbologia de um currículo e que tipo de descrição ele conferia ao seu autor. A verdade é que aquilo o que se foi não se é mais. É honesto, por exemplo, colocar, mesmo com algum tipo de certificado, o domínio de x software, uma vez que se faz anos que não se tem praticado o uso do tal software? Ou, por exemplo, é honesto dizer o nome do seu curso? O que significa o nome do seu curso num currículo? Diz-se das noites não dormidas na faculdade? Diz-se o 10 naquela matéria e a reprovação naquela outra? Diz-se que fostes bom naquela época, mas será que diz se ainda deténs tal conhecimento? Diz-se como fostes amado e como amou? Diz-se as pessoas que conhecestes e que influenciaram quem és hoje? Diz-se as tentativas de estágios negadas? Diz-se as tuas crises de identidade? O quanto diz-se da tua experiência prática? O que ele diz sobre você? Que informação útil é tirada desse conjunto nominal? Que significado é atribuído a ele?

O que quero dizer é o que fomos não é o que somos. E o que fazemos enquanto somos não define quem somos. Quero dizer também que primeiros lugares, concursos, assinaturas, se o efeito não é concreto, são só ideias no espaço sideral, atribuições vagas. São cores que criamos para pintar um quadro branco que, no fim, sempre se descolore. Colocamos muita expectativa em acontecimentos que são apenas simbólicos sem correspondentes na realidade. E no fim, não é tudo assim? Já diziam: sábios são os ignorantes que sempre pintam o quadro sem se preocupar porque ele descolore.

Tendo aquele poder já citado, não se perde tempo pintando quadros e, sim, escrevendo textos como esses. Ou será isso aqui uma nova cor? Talvez um novo tom de azul? Talvez.

Mari Verona
Enviado por Mari Verona em 08/02/2021
Reeditado em 08/02/2021
Código do texto: T7179874
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