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A vida passa pela gente como um arco riscando as cordas de um violino. Vinte anos hoje; quarenta nos acordes seguintes.

Pedro e Jane se conheceram lá na agitação da primavera e, quando voltaram à convivência diária, a melodia fazia cair folhas de outono. Entre a faculdade de jornalismo e o trabalho na redação – ele, editor de Esportes e ela, editora-chefe – passaram-se vinte e dois anos.

No ritmo frenético da primavera da faculdade, Jane e Pedro até se olharam, viram alguma coisa de interessante um no outro, trocaram uns beijinhos e seguiram a vida. Sem nada forte.

O arco continuou deslizando as cordas ora rapidamente ora lentamente. Pedro casou com Flora, que não fazia ideia de quem seria Jane. Foi feliz até os anos em que a felicidade conseguiu alcançar. A relação se desgastou, mas Pedro seguiu os dias assim mesmo, sem prestar atenção à música.

Jane noivou duas vezes, mas era inteligente demais para enclausurar a vida em um casamento.

Reencontraram-se, por fim. Pedro não viu nada assim de tão espetacular em Jane. Tudo bem, ela continuava linda. E daí? Apenas se sentiu injustiçado pelo tempo. Passou uma mão na careca e a outra na redonda barriga e se perguntou por que vinte e dois anos não são vinte e dois anos pra todo mundo.

Um mês, dois, três... um ano... Rotinas que se vão. Pedro conseguia sobreviver à beleza interminável de Jane. Era quarentona como ele, mas somente na idade. Na aparência, nunca. Seu escudo era a seriedade de homem casado, com aliança no dedo e foto da Flora no papel de parede do celular.

O problema foi a nova foto de Jane no perfil do whatsapp. “Como pode ser tão linda assim? Precisa disso tudo?”, irritava-se Pedro. Voltou duas décadas para se lamentar as estações.

Pedro se tornou um viciado na foto de Jane. Sempre interrompia qualquer coisa que estivesse fazendo para admirar aquela imagem. Dava zoom para ver detalhes da boca, dos olhos esverdeados, dos cabelos, do pescoço...

Entrou na foto para beijar aquele pescoço perfeito, aquela boca molhada de batom rosa, para acariciar aqueles cabelos.

Decidiu, então, casar com Jane. Viajaram, tiveram uma filha e até escreveram um livro juntos. Amaram-se todos os dias com a mesma intensidade da primeira vez.

Tocou o celular. Era Flora. Conversou sobre rotinas: pegar o caçula na escola e passar na padaria... A conversa real soprou o suspiro da imaginação. Voltou à Flora real, fazendo-a o oposto da Jane ideal.

Foi chamado por Jane. Sorriu e, sem sentir o chão, caminhou até sua sala. Quis encontrar a foto, mas se viu diante da chefe.

Pedro havia levado um furo do concorrente sobre uma importante contratação de um time local. Jane foi cobrada pelo diretor do jornal e transferia toda raiva que sentiu ao editor de Esportes.

Quem ralhava não era a mulher linda da foto. Era apenas sua chefe. A voz doce da mulher com quem casou na imaginação se tornou irritante. Sentiu-se aliviado por ter se casado, na realidade, com Flora.

- E aí, Pedro, tem alguma coisa a dizer?

Aquela pergunta, soada tão arrogante quanto a beleza intocável de Jane, arrebentou as cordas do violino, quebrando, abruptamente, o encantamento das quatro estações.

- Pedro – insistiu a chefe – quer dizer alguma coisa sobre o furo que levamos?

- Sim. Quero o divórcio.

Osvaldo Júnior
Enviado por Osvaldo Júnior em 11/02/2021
Reeditado em 15/02/2021
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