Eu não sei mais escrever para criança.

Há pouco, me deparei com uma constatação dolorida: Eu não sei mais escrever para criança.

Quando era uma criança, tinha plena certeza de que passaria todos os meus dias escrevendo para elas: contos de fadas dourados, histórias épicas cheias de magia e lições, fábulas com animais fantásticos e morais estarrecedoras... Descobri esses dias que um texto que escrevi aos dez anos está sendo usado em provas de Ensino Fundamental e concomitantemente, descobri que a “eu” de dez anos talvez fosse ficar bastante decepcionada ao se deparar comigo hoje.

Um clássico: o projeto real de adulta se deparando com o projeto ideal planejado na essência.

No texto referido, faço uma releitura do conto João e Maria onde insiro uma advertência sobre pedofilia (tive educação sexual na escola, então sabia o que significava e via com urgência a necessidade de que outras crianças soubessem também, para estarem seguras). Talvez aí já estivesse uma pista relacionada à invasão da realidade sob meus muros encantados.

O cerne de todas as coisas ainda é o mesmo: escrevo porque é impossível viver sem escrever. Todavia, o material da minha escrita sempre foi a minha vida e há muito tempo, ela deixou de brilhar como os contos que eu escrevia. Minha mãe diz que nós sempre atraímos para perto os nossos maiores medos e um dos meus sempre foi crescer e me tornar “realista demais” - nas minhas próprias palavras. Pois bem: aos vinte anos, me vejo incapaz de redigir uma história sobre uma Fada Azul sem questionar os traumas que o excesso de purpurina pode ter lhe causado e qual a logística de seus deslocamentos. Minhas fadas não voam mais. Muito antes do esperado, me tornei uma chata.

A medida em que o tempo foi passando, meus finais foram mudando a medida em que vi que as tragédias são muito mais prováveis que aqueles coloridos e encantados. Percebi, então, que escrever nunca se tratou apenas de criatividade ou de uma fuga de realidade – mas da reflexão dela: escrevia para dizer coisas sobre mim mesma que nunca seria capaz de expressar na “vida real”. Quando era criança, escrevia para crianças. Hoje, no início da minha vida adulta, escrevo para quem?

Jesus, nos Evangelhos, reitera a necessidade de nos parecermos com as crianças para adentrarmos os Reinos dos Céus. Hoje, entendo um de seus porquês.

Em breve, espero (re)conquistar a habilidade de começar meu discurso com “Era uma vez...” e ver olhinhos brilhantes me encarando curiosos pelo desenrolar das minhas histórias. Por hora, me atenho às diligências de uma vida excessivamente normal cujas angústias se fazem em crônicas de vez em quando.