MEU PAI MATOU UM BODE

MEU PAI MATOU UM BODE

Manoel Belarmino

Era um dia de domingo. Um domingo de abril, em pleno outono, no pé da Serra Negra. Os araçás maduros, umbuzeiros cheios de umbus, pitombas maduras, cajus e jabuticabas já podiam ser colhidos no pé da Serra. E eu ainda na rede, depois de uma noite de sono profundo, oiço a cantoria dos passarinhos em festas. Saracuras, jacus e, ao longe, pras bandas da Serra Grande, o cantar dos guigós em festa. E o Sol já começava aparecer sobre a Serra Grande e o Ponto Fino. E eu via os seus primeiros raios aparecerem pelas frestas da nossa humilde casa de taipa.

Aí escuto o meu primo, na porta da frente de casa, dizendo:

- Tio Lauro, tio Lauro, meu pai matou um bode!

Lauro era o meu pai. Lauro Belo, como era conhecido nas redondezas. Irmão de Zeca Belo, de João Belo, de Sabino Belo, de Maria Caboca, Francisca e outros Belo.

E ali estava meu primo com um quarto de bode. E não era para vender. Era doado. Era repartido. Eu me criei menino ali naquela comunidade vendo o Valor da Solidariedade na prática. Uma família matava um bode e repartia com os vizinhos e parentes. Na outra semana era a outra família que matava o bode, e depois a outra. É assim era quando um caçador pegava uma caça. E assim era nos mutirões da xaxa de feijão, nos roçados, nas farinhadas, nos leilões e novenas.

Ali aprendi a importância da vida, da relação com a biodiversidade, com a Natureza e o Valor da Solidariedade.

Era assim a vida naquele Boqueirão, território localizado na tríplice divisa dos municípios de Poço Redondo, Canindé de São Francisco e Serra Negra.

Ali, naquele tempo, até quando um menino gritava "meu pai matou um bode!" significava solidariedade.

Manoel Belarmino dos Santos
Enviado por Manoel Belarmino dos Santos em 17/02/2021
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