Urgência em falar

Uma bela noite dessas, estava eu, no sofá de casa, a assistir, despretensiosamente, ao Big Brother Brasil edição vinte e um. Papo vai, papo vem e uma das participantes proferiu o que se segue: “Eu não consigo ficar calada; tenho urgência em falar”. De imediato, lembrei que um colega estava prestes a lançar um livro de cartas chamado “Urgência de Amar” e aquilo me chamou a atenção. Naquele exato momento, percebi a sutileza de, por duas vezes próximas aos meus olhos e ouvidos, a palavra “urgência” ter sido e estar sendo usada para dar vigor e robustez a dois verbos de expressão tão marcantes e difíceis em minha existência: falar e amar.

Desde aquela noite, vez por outra me chega aos pensamentos essa temática do substantivo feminino “urgência” em associação às duas palavras citadas - e, quando pensei em um possível tema para escrever, não me veio outro senão este, até porque eu ainda não tinha me dado a oportunidade de redigir acerca para organizar as ideias ou mesmo relatar oralmente a alguém. Bom, em minhas reflexões, dei-me conta de que a “urgência em falar”, citada pela participante Juliette, também tem feito parte do meu cotidiano (mesmo que outrora sem nomeação), e essa característica tem ficado a cada dia mais notável aqui dentro.

Semanalmente, quando chego ao consultório do meu psicólogo, parece que eu ligo o botão das cordas vocais. Parece que eu quero, ardentemente e desesperadamente, derramar ali dentro tudo o que eu não escoei durante os demais dias e estava entalado em minha garganta de afetos; tudo o que eu tenho de mais íntimo e não tive coragem de relatar a mais ninguém do meu ciclo familiar ou de amizade. A minha urgência em falar tem sido recorrente: em casa (ex.: sobre algum assunto cotidiano), nos locais que vou (ex.: no supermercado, ao reivindicar o preço de algum produto que na prateleira estava um e no caixa passa outro), nos encontros síncronos da faculdade (predominantemente por escrito) e, até mesmo, nas minhas redes sociais (através de posicionamentos escritos ou re-postados). Seja simples ou complexo, a urgência tem sido de falar, de expressar-me. Que será que deu esse ponta pé?

Às vezes me pego pensando que toda essa avalanche de urgências que caiu em minhas mãos e peito nos últimos tempos (lê-se: meses, chegando a poucos anos) fora em decorrência de ter passado longos anos retraída demais, tímida demais e introspectiva demais. O que é urgente não pode mais esperar, não convém mais aguardar, não consegue mais ficar em suspenso até que chegue uma “boa oportunidade” de paraquedas. A urgência é sentida, é impulsionada de dentro para fora e, por aqui, tem encontrado, pouco a pouco e sorrateiramente, lugar para falar. Ou, ainda melhor: com sua força motriz, metaforicamente tem aberto caminho na mata fechada e conseguido percorrer outras direções.

Quanto à “urgência de amar”, tenho refletido de maneira semelhante; elas estão associadas. Nunca fui uma pessoa que se expressa abertamente sem medo de julgamentos, todavia, como falara, tem sido recorrente esse processo de “abertura da caixa torácica” ou “exposição de afetividades”. Mesmo sem dizer “eu te amo”, tenho procurado e desejado estar mais perto das pessoas que amo e convivem comigo. Como este período pandêmico está sendo desafiante para todes nós, essa minha necessidade em estar ao lado de familiares tem fortalecido nossas relações.

Escreveu o cantor Belchior, em 1976: “Quero lhe contar como eu vivi e tudo o que aconteceu comigo”, e faço de suas palavras meus sentimentos e afetações. A sede de contar o que tenho vivido, experienciado, pensado e sentido é real, e tem me feito bem, assim como refletir a respeito das sutilezas dos detalhes ouvidos e vistos.