QUARENTENA - NO EXÍLIO POR CONTA DA QUIMIOTERAPIA

A quimioterapia muda tudo, vira a vida de pernas para o ar. O medo maior já não é a doença propriamente dita, mas a baixa imunidade e com ela os riscos de ser acometido por diversas doenças.

Assim passei durante quatro meses, saindo somente o estritamente necessário, o restante do tempo recolhia-me ao exílio entre o sofá, a cama e uma janela, dela observava o trottoir de gatos dos telhados, aprendi a conhecer um por um. Jogando petiscos de ração para cães, eles foram aproximando-se sobre o telhado da garagem que escalavam com agilidade invejável. Até que um dia a gata Preta, assim chamada pela vizinha, trouxe uma ninhada de quatro gatos e cavou uma toca no monte de pasto, resultante do corte do pequeno gramado. Lá dentro pôs os filhotes.

Na primeira pausa da baixa imunidade, fui até lá e os vi de perto.

Os dias foram passando e acompanhei a escolinha da Gata Mãe , a matrícula, a formação e expulsão dos filhotes alunos.

Eu já com 58 anos, não imaginava o quanto aprenderia sobre e com os gatos. Aprendi a diferenciar os machos das fêmeas, que o cio não é como o dos cães e que até pode ser ativado pelos gatos machos.

Interessante eram as aulas, diurnas e noturnas.

Quando ela decidia que todos estava amamentados, levantava-se e saia, carregando alguns pendurados, mas que logo caiam, se insistiam logo vinha um tapa. Ela dava os primeiros empurrões e eles depois seguiam na foliam e luta para sobrepujarem os outros. Na ninhada havia a gatinha, batizada por nós como Serelepe, hoje simplesmente Serê. Ela esquivava-se do convívio em grupo, sempre pelos cantos, procurava passar os dias solitariamente. Cresceu peleando com os próprios irmãos. Já combalido por uma embolia, tinha dificuldades em acompanhar todas as aulas.

Das aulas de caça diurna, passaram as noturnas. As vítimas?

- Pequenos inseto tipo grilos e gafanhotos.

As mamadas foram encurtando, um pouquinho e a Gata Mãe levantava e afastava-se. A caça agora era na tigela com grãos de ração, não mais atirados lá do alto, mas postos no pátio, pelo meu filho.

Então chegou o dia derradeiro, das três filhotes fêmeas partirem (o macho havia sido morto pelos cães). Quando elas chegavam perto, recebiam um "fu" e o mostrar de presas. Agora, com uns dois meses eram do Mundo, mas preferiram ficar e raramente subiam nos telhados, entretanto a Gata Mãe se foi, voltando à rotina dos telhados e muros.

Da ninhada, hoje restam somente a Serê e a Bicolor, ambas castradas.

Os exílios não são de todo ruins, pois nos permitem guinar a vida e aprender coisas jamais pensadas.

Nem sempre estamos preparados para enfrentar os exílios, ou melhor quase nunca, mas acabamos sobrevivendo por algum tempo, como se estivéssemos no redondel para treinamento de cavalos, onde você pode caminhar o dia todo, mas sem ultrapassar a distância do raio determinado.

ItamarCastro
Enviado por ItamarCastro em 19/02/2021
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