NA CORDA BAMBA

A senhora vai ao guichê para efetuar a cobrança mensal do condomínio. Estava nervosa, pois já tinha testado o código de barra, mas a máquina não funcionou. Ainda por cima testou duas vezes, tocou na tecla com rapidez e deu senha errada.

Queria evitar falar com funcionários, pois nos bancos quase sempre se aborrecia com a abordagem dos bancários em relação aos idosos. Adotaria um contato altivo com eles. Quem sabe assim não respeitariam mais a inteligência e menos os estereótipos sobre os velhos? Desta vez não teria escapatória.

Foi ao guichê pagou e pediu para trocar a senha do cartão de débito, pois tinha dificuldades de gravá-la. Tudo contribuía para piorar o nervosismo, tendo de fazer o pagamento do boleto com a senha antiga que teimava em esquecer. Para trocá-la tinha de lidar com as duas senhas: a atual e a nova.

-- Ah! A senhora acertou a senha antiga!

--É ainda não estou caduca.

--Não, eu não falei isso. Foi a senhora que disse.

--Mas eu toquei no assunto por conta da discriminação dos velhos.

--A senhora não acha que pode ser auto discriminação? Se eu achasse o que falou, não teria dito que poderia fazer a Prova de Vida.

--Não fujo de assumir a minha velhice e gosto da sabedoria adquirida com a idade. Porém peço desculpas se interpretei errado o que disse.

A idosa saiu mais intrigada e chateada com o episódio. Não tinha entendido a explicação da Prova de Vida. É possível que se referisse aos velhos com demência senil que devem ser acompanhados por responsáveis, já que sequer têm consciência de sua doença. Entretanto ao dizer que se auto discriminava era no mínimo uma opinião equivocada, pois isso ocorria quando as pessoas diziam abertamente que aturavam envelhecer porque a outra opção era a morte; ou detestavam serem rotuladas de velhas; ou omitiam sua idade; ou sempre julgavam que velho era o outro.

Para aqueles que assumem o envelhecimento os fantasmas são as doenças que levam à invalidez ou à demência que atinge a memória como o Alzheimer.

Esse estágio da vida é um período complicado: discriminação, auto discriminação, uso e abuso dos familiares, aumentam doenças pela fragilidade corpo e mente, maior controle da medicina, maus tratos, ser alvo de espertalhões e até isolamento social. De todas as fases da vida crianças e velhos são faixas etárias mais frágeis, comprovadas pelas pesquisas. Para a maioria é bem difícil carregá-la, até porque são pessoas que não tem preparo psicológico para suportar uma fase preparatória do fim da vida.

Mas para a protagonista o pior de tudo é sentir na pele a incapacidade que o outro tem de aceitar um modo de viver sem rótulos, sem o controle de ninguém e, se possível lutando para chegar assim até à morte. São minorias que desfrutam desse privilégio, mas ela lutava para manter esta atitude. Gostava de ser minoria, de ser do contra, e não ia se deixar abater pela ignorância de ninguém. Iria até o fim da vida se esforçando para preservar a saúde do corpo e da mente: “(...) até a expressão traumática do medo crescente do inevitável: a velhice e a morte”. (Leonardo Padura, 2020).

ISABELA BANDERAS
Enviado por ISABELA BANDERAS em 22/02/2021
Código do texto: T7190532
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